Edgar allan Poe (versão livre da tradução d'o Corvo de Fernando Pessoa)


O corvo










Numa noite de lendas bravias,
Estudava eu devoções velhas,
Batem leve, leve nos vidrais.
Quem será? Pensei, me visitará?
E que toques  tais, tão gentis,
Só isso; e nada mais?


Era Dezembro,Se bem m'lembro
Jazia  morno,o frio negro,
Pela  lareira apagada,
Escrevia com morrão ,Leonor,
Para não te esquecer,na dor,
Mas sem nome,aqui jamais.


A mim mesmo acudi, no medo,
Abri de breve o cortinado,
Repetia em desassossego,
Mais isso que de meu medo
-É um visitante atrasado,
É só isto, sim e nada mais.


Já sem tardo e não hesito,
Abro, par em par meus vitrais
Se, Senhor; senhora, mal me sinto,
Eu, dormindo e vós, batendo,
Mal ouvi; abri largos portais,
Noite, noite e nada mais.


Fitei perplexo, receado,
Noite d’amplexo, silêncio,
E  ais,no eco repetido.
O nome dela, vi, no vazio
Desta paz profana. E maldigo,
Isso , só , e nada mais.


Não tarda e ouço,novo som,
Em minh’alma ardendo mais
E vou ver o que está nela,
Por que me distrem com sinais,
Soltos e sempre neste triste tom,
“É o vento, e nada mais.”




Entrou grave e nobre  corvo,
Digno dos contos medievais,
Pousou lento  no busto, alvo,
D’atena,nestes meus umbrais,
Não me fez qualquer cumprimento,
Foi, pousou, e nada mais.




“Tens todo aspecto tosquiado”
Ò ave, migrada dos  infernos,
Diz-me o teu nome,danado,
D’alto desses  teus rituais,
com mais de mil e um séculos,
Disse o corvo, “Nunca mais”.


Fiquei pasmado  d’ouvir falar,
Inda que pouco clara ,esta’ ve
Rara pousada no busto,grave
E preto ,no alvo alabastro,
Ave e bicho, d’alarve olhar
Com o nome “Nunca mais”.


Mas o corvo ficou calado
Augusto e empoleirado.
Perdido,eu murumrei  lento,
“Amigos, sonhos – mortais Todos–
Todos  foram. Amanhã  te’vais”
Disse o corvo, “Nunca mais”.


Que frase tão sabida esta,
Por ser voz  usual , aprendida,
Ou d’ algum don,desgraçada vida
Em tom  se quebrou nesta porta
De seu canto cheio d’ais
Era este “Nunca mais”.


Mas troçando da vil amargura
Sentei pois defronte dela
E Enterrado na cadeira
Pensei nos agoiros dela
Em gritos de tempos ancestrais
Como aquele “Nunca mais”.


Pensava nisto,olhando frente
A frente a ave ,olhos cravados
Na minh’alma,manta de retalhos
De luzes vestutas, em veludos,
Neles Punha sombras in’ iguais
E Reclinar-se-á nunca mais!


Fez-se o ar denso,como incenso
como assim , nunca mais.






Jorge Santos

Sem comentários:

tradutor

center>

Arquivo do blogue