A desconstrução

 



A desconstrução



Deitemos por terra
O que nos fere, a mão
E o que nos ferra nos pulsos
E derrota, a miséria devota,

O singelo e o ignoto,
O endémico desalento,
O tempo é uma goiva, tábua rasa,
Desbasta e cinzela,

A Ingratidão alimenta
Esta sensibilidade hemorrágica, fera
E insana, assim a embriaguez
A insincera fama

É uma fábula e uma redoma
Em vidro, a savana
Do tigre, o perigo do ter e haver
Perdido o horizonte, fauna

O que persigo, me persegue sem eu ver
No mato e “o por matar”,
O predador e a presa,
A respeito da vitória,

Prefiro a derrota, tem mais beleza
Assim como no outono, as flores
Segundo os loucos, não me faz horror
A viúva realidade, suprema

A avidez extrema, a honra
Da arena e o ardor do sacrifício,
A dor, o crucifixo
Inútil, o cinismo cinzento

Da corda, a trama da veste,
O ardor do momento, o suicídio
Da borboleta-monarca no inverno
Quando chove, forte e sério, feio

O arrabalde, mordaz misticismo,
Nos sonhos dos outros,
Abstémios, paranoicos,
Secundários actores,

Partilhando impressões idênticas entre eles,
Tal e qual no parto, a ausência da dor,
Eu sou a frente de combate,
Do tombadilho do contramestre-

-À proa, o guerreiro da antiga Goa,
A má-fama, o infortúnio do escravo,
A essência vassala da Sulamita do Rei Zenão,
O Vândalo das opiniões,

O cego de Bratislava,
Antuérpia e a desconstrução,
O deitar por terra, a existência eterna,
o vogal e vulgar não…




Jorge Santos (04 Fevereiro 2021)

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Deixemos descer à vala, o corpo que em vão nos deram






Deixemos descer à vala,
O corpo que nos deram,
Deixai-o ir, com as coisas
Que se quebram, reles, usuais

E os argumentos enterram-se,
Deixai-me sombrio, morrer na terra,
Como é natural, numa concha
Onde a areia se infiltra, na campa

Se entranha, velada estranha,
Igual toda a espécie humana,
Deixem-me descer comum à vala,
Ridículo, mesquinho, profano,

Infra-humano sem futuro,
Falso Profeta, obscuro e cigano
Réu d’minha própria fama,
Como manda a lei e a norma

Nada é nosso, nem o corpo,
Mas tem de haver alma,
O corpo é uma montra,
Fixo-me a ver se o vejo,

Fico-me por tudo isso, cinza
O que não tenho, o que era físico
Grotesco mundano, insignificante
Cor de sangue, excepto

O que não nos deram,
Me revela um absurdo que não sei explicar,
E uma maneira especial, invertida de
Mágoa, mudas criaturas me velam,

Ilógicas janelas estendem-se em silêncio
Sobre campos, enterrados
Órgãos humanos, fálicos olhos, órfãos
De mãe e pai, naturais os sonhos,

A razão e o conhecimento, o instinto
Não morrem, de modo algum se enterram,
Deixem meu corpo descer à vala, comum
Como os simples, donde jamais me erguerei

Em vão, de novo …



Jorge Santos (03 Fevereiro 2021)

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Os Dias Nossos do Isolamento

 




Os Dias Nossos do Isolamento


Ainda desperto da noite mal dormida a pensar ser engano, um mau sonho ou a encenação brutal e global de uma série de horror da Netflix, “Walking Dead” ou outra bastante pior. Cada dia que acaba é mais e mais difícil, o suportar deste isolamento purgativo, de purgatório e acima de tudo o futuro, a incerteza, a falta de progresso e de promessa no que pode ainda estar para vir e virá a acontecer futuramente, se haverá e há de com certeza haver, um terceiro e quarto recolher obrigatários, aprendemos paulatinamente que tudo pode agravar-se, a ser pior do que já é, do que já foi.
Sou um rebelde por natureza, cultivei e sempre tive uma certeza, algures moldada na revolução de abril, suponho genética a minha rebeldia e insubordinação contra um sistema opressor, que era um facto genérico, teria, a meio da minha incomum vida, um inimigo comum a todos, maligno e contra o qual iria lutar sem tréguas. Para mim, combater o déspota, o fascista, fazia parte dos meus sonhos de criança e adolescente e eu dei, fui dando corpo a esse espírito rebelde e romântico dos Partisans, senti que iria lutar e lutaria pela pátria, pela liberdade se fizesse falta, faria amor barricado atrás das trincheiras, nos tijolos empilhados nas praças, desta ou de outras repúblicas, subiria audaz um estrado improvisado, às costas, nos ombros de outros camaradas e gritaria vitória, vitória ou morte. Sempre me pensei um Hemingway vindouro, nomeado, “pulitzer” do jornalismo de guerra, um revolucionário.
Nada disso ! nas idas ao supermercado sossego e sonego a minha agonia de anarquista triste, não vitorioso, um Trotsky não violento, afeiçoei-me ao rebanho da porta, atrás das grades e aguardo, como que unido a uma manjedoura, respondo à ração diária de alimento ungido por um sacerdote do destino, com uma mão na glande e outra na grade de segurança que me separa do alimento diário, do galinheiro e das galinhas, não penso muito e sujeito-me, que é o que abranda o desconforto do confinamento obrigatório, à comida, à subida do nível de diabetes, o colesterol e a tensão arterial, a falta de vontade de viver, de fazer exercício físico, de correr, à má qualidade da fruta e dos legumes que o meu bolso ainda aguenta, mas logo penso em todos aqueles que vivem nas cidades superpovoadas, em pequenos apartamentos, famílias inteiras, numerosas, partilhando uma sala de estar minimalista, têm de trabalhar “on line”, os dois sem vontade para isso ou para mostrarem algo que não seja indiferença e desamor numa relação tensa, cuidar de uma ou das várias crianças, pequenas e sempre pedindo por atenção ou a estudar e mais o gato e o cão ou cães rosnando, rogando por não sair fora de portas, cansados da voltinha diária, aborrecida e em redor do bairro, da trela presa, do açaime e da máscara de tristeza do dono por muito que ele sonhasse sorrir para a vizinha noutros tempos jeitosa, talvez até a anarquista que faria amor na trincheira, no meio da praça, outrora publica, junto aos fuzis, da revolução armada, aos barris, na barricada dos insurgentes e da granada.
A saturação do ar e das relações familiares, a promiscuidade, faz dos domicílios lugares ainda mais insalubres, tóxicos até, o inverno não atenua esse sofrimento de segunda e possivelmente terceira e quarta vaga, estarmos isolados por meses em moldes de cimento armado, moldados na nossa Augusta angústia, em quadrados e quartos brancos, a pouca luz dos dias propicia a melancolia e a tristeza, um modelo constante, predatório, pausado, sempre igual, de semanas e meses, de horas e minutos, os segundos entrando como farpas na nossa pele, dilacerando a autoestima de quem está impedido, sem poder, sem o deixarem ir ao trabalho e laborar, produzir, ganhar o sustento dele e da família e neste momento, sem conhecer o futuro, o incerto, a incerteza de como pagar as contas do supermercado, a factura da luz, da água, os detergentes, a conta do aquecimento e as propinas da faculdade dos filhos, o arrendamento da casa e de todas as outras primeiras, segundas e terceiras necessidades, para as quais não há, nem jamais haverá perdão nem confinamento, nem volta a dar por mais voltas que à sala eu dê, no dia a dia do nosso constante, severo isolamento profilático.
“O pão nosso de cada dia nos dai hoje”, “livrai-nos das nossas ofensas”, são falácia pré-fabricada, massa mal amassada e o pomo ou a maçã dos nossos pecados, criação versus discórdia, ninguém dá nada a ninguém, nem as mãos, nem a igreja é composta por santos, apenas manhosos pecadores, não assumidos aos sábados e domingos, dias de mercado de gado e até as opiniões são “à vontade do freguês ou a retalho”.
Se bem me lembro, sonhava-me um futuro Hemingway nomeado “pulitzer” do jornalismo de guerra, ou antes ainda, quando me imaginava graduado em revolucionário, tinha opiniões e aspirações tantas e diversas que não me conformo agora, não me ajusto de forma alguma, com a apatia pancreática e recente, talvez sinonimo de alguma velhice, esgotado nesta virulenta, violenta e vexatória forma de recolhimento compulsivo, predatória dos instintos mais básicos de sobrevivência, aliado ao ressurgimento de infames nacionalismos inflamados, movimentos retrógrados, regurgitados dos infernos e que advogam uma politização bastarda, descabida de uma pandemia, ignorando milhares, mesmo milhares de milhões de mortes, apenas para fruírem de algum destaque, de um panfleteiro dogma, semelhante ao “terrapalmismo” que nas redes sociais se espalham, procriam como ratos, espalham-se como a peste, por uma população semianalfabeta, carente de expressão critica, que se vê de um momento para o outro e a si mesma como protagonista e narrador, repentinamente na pele de “influencer” anónima, sem rosto, “you tubers”, alguns ainda imberbes crianças, com todo o terrível ónus desta nova estripe mental numa camada alarmada, deficiente de ideais e cultura, assustada, imbecil, a recita básica, o terreno próspero, fértil para uma temida, concomitante pandemia nacionalista, bera, perigosa que se aproxima.
Os dias do nosso entediamento… (..)



Jorge Santos (31 Janeiro 2021)

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Gostar de estar vivo, dói!



 





Gostar de estar vivo, dói!
Para quem possua crença,
Assim como treze mais dois,

Ser dezasseis, talvez seja,
Penso eu, uma regra a dor,
A real, não a supérflua,

O estar vivo, versus um
Existir fictício, nominal,
Abstrato, o pânico do tísico

Viver sem sofrimento, morte
É distinto de medo, atrás
Da emoção, qualquer certeza

É delas, a fé é imortal mas
Acaba, quando não se sacia
O predador, a perda é plural,

O ideal é viver, de resto a pressa
É apenas ter vivido um xamã,
Revelando enfim um monge,

Embora sem credo, religião,
A questão é alcançar a uva chã,
Do escanção o mérito da prova,

A vindima tem época certa,
E o parto sem dor não jaz,
Perpetua a sensação terna,

Quanto as dores do parto,
Assim a vida, quando não dói,
Não vale a pena, contudo

Tem uma hora a meio, um véu,
Em que o destino é harmónico,
Bastardo em si e a um passo

De assustar o medo, a sevícia,
Evocando, de estar vivo a espera,
O cansaço e o abster da liça, a honra,

O distanciamento do muro, o asfalto,
O salvamento dum outro modo,
Não posso afiançar genuíno,

O louro ou o deslumbre do velho,
Podre o povo, a justiça, o gostar
De estar vivo dói e muitíssimo.





Jorge Santos (29 Janeiro 2021)

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Apologia das coisas bizarras

 




Apologia das coisas bizarras

Devo um afável agradecimento a Dali e ao melómano amigo que me ajuda e obriga a repensar esta coisa magnífica, melomaníaca e dramática, que é escrever militantes bizarrices e compor toponímias em mapas gerais e cadastrais já conhecidos e mapeados interiormente por outros, para parecerem agora e doravante paisagens líquidas e diferentes, anómalas das normais apesar de geradas de uma mesma geratriz exponencial, eu mesmo .
Iniciei hoje, agora mesmo às dez da manhã em ponto, depois de ter ingerido o habitual, trivial e frugal pequeno almoço composto apenas de cereais, leite e mel, abri o computador, na internet, um estratégico tutorial de aulas experimentais sobre escrita criativa, privilegiei a inspiração, aliás o capítulo primeiro, o número “uno”, antes do “brainstorming” dos detalhes, da minúcia, a magia do inusitado das situações excêntricas que podem incutir, induzir mudança numa receita tradicional e alterar o gosto do insonso caldo verde comum que é o meu registo formatado, numa tentativa “gourmet” de fazer sorvete de cereja e banana, em vez da habitual e costumeira “Sericaia” conventual do Alentejo com ameixa no topo e doce ou adjetivação em excesso.
Nunca fui um natural arquiteto das palavras, inato como gostaria de ser, ou ter sido, como alguns outros, aspiro e respiro de uma intuição acelerada e de uma maneira bizarra, escrevo aquilo que não se pode comparar em competência e perfeição, a um tocador de harpa celestial, imortal como um Armstrong daqueles que me purificam e inspiram a ser como eles foram, nas palavras que nunca haverei de dizer ou proferir, digo-o por sua justiça e não com justificada justificação.
Geralmente surgem-me deles ideias jovens, equilibradas, sugerem-me muitas vezes coisas novas, ideias extravagantes, como quando estou correndo ou tomando banho, imprevistas e do nada, ocorrem-me por exemplo num fragmento de céu, num movimento de ramos, nalguma qualquer árvore da floresta, devolvendo ao vento a plenitude, nos gestos mais simples que a natureza consegue traduzir e produzir em nós, algo mais que simples sentimentos, um replicar de sinos, no meu caso , na minha pele , transformo-os em falas, flutuo, argumento com a própria consciência das flautas o facto e esqueço, o cansaço é uma forma de substancia benigna que me acompanha quando penso, no meio do esforço, da corrida no final do dia, fala mais forte quando todos os outros sentidos emudecem no corpo, ausentam-se deixando-me apenas algumas qualidades de ser humano funcional, assim como uma extensão da alma, uma antena ao deus pã, que não rejeita a captação dos sons mais estranhos, da plastia mais diversa na copa das arvores, na clareira das fábulas ou na água morna escorrendo pelo corpo quando tomo duche, nas extremidades nervosas do corpo, nos dedos das mãos, na revibração do planeta, quando quase morro de hipoxia e tento pôr em ordem as lembranças do ouvido, os sons da floresta, a plastia dos momentos a sós comigo mesmo.
Um amigo de alguma data, nestas coisa de escrita, afirma num magnífico texto, que adora genuinamente todos aqueles suficientemente pacientes para o lerem ainda, estou eu inda em dívida para com ele e com outros, pois o meu contributo é escasso e todavia mais fraco, frágil e eclipsado por grande parte ou na totalidade por eles mesmos, os que leio e donde retiro os “movimentos” e momentos com que me “saro” aos poucos, de qualquer barulho externo, qualquer “encalho”, de forma a parecer enigmático, geométrico e equilibrado, magnífico ou apenas atraente, diferente e não uma cópia condenada, condensada e apenas, daqueles que alcançam como eles, nas estrelas, o brilho, a subtileza altruísta das coisas belas, etéreas, singulares e plenas neste, “blue marble, dwarf planet Earth ”.
Jamais pretendi ser no que digo, o fidalgo, o debutante embrião, nem a aproximação ao irrepreensível, ao real, mais o abstrato abstracionista, o observacionista grisalho, o absoluto remate de um dos arredores mais sinápticos das artes, uma gargalhada simpática do homem da lua, não ocupa espaço terreno nem oculta totalmente o astro, vibram a zona da língua, os beiços, próximos à minha boca e é assim que me exprimo, quase como um bocejo em conclusão do que digo, um gracejo, um boneco animado o que é suposto eu afirmar, contruir por vocábulos sem encarte, afinco ou volúpia, arte de abolicionista célico, sensível à verdade absoluta do belo e à que importa.
Há a insinuada sensação de não existimos de verdade, nem termos a personalidade que pensamos e com que nascemos, quando decorre o acto ímpio e criativo e é suposto continuarmos a ter, possuir, e é lactente, não sendo esquizofrenia nem febre, é de facto consciência eólica na extensão periférica do espírito, nas pás dos moinhos de vento, nós os “Don Quijotes” investindo das planícies em riste, de lança e espada, o Dali de Fibonacci.
O nosso trono é o mundo, estou sentado no trono do mundo, não há dúvida, quando repensamos a natureza da esfera terrestre, é um universo completo, um ovo multicomplexo, novo e excêntrico que geramos, contruímos a partir deste tão antigo, arcaico à superfície, lugar que a luz toca, renova, quanto internamente, onde os mistérios são tão ocultos da realidade quanto que para quem ouve, os profetas videntes, aqueles que nossa voz roça, passa por farol, a luz do impulso, serve a nossa insurgente alma para guiar ao que importa, o espírito das gentes, ao frémito, ao toque nítido, absoluto, quem sabe à maior aspiração terrena, sermos todos realmente profetas do mundo real, reis de tudo quanto existe e do esforço para obter e ganhar, seja a arte absoluta de que falo, absolutamente arte pura, a que fala de nós para nós outros e o que importa, a apologia das coisas vivas e das bizarras coisas da vida eterna, senão houver outra mais longa que ela, aqui ou na Terra das coisas severas, o tempo.




Jorge Santos (28 Janeiro 2021)

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