Não me peçam para escrever...


Não me peçam os mesmos discursos maduros
Se tudo o que mais quero são silêncios
Translúcidos e puros, todavia mais duros
Que insultos e tão suaves, tão sóbrios…

Tão líquidos, quanto sublime e belo
Há, no nascimento excessivo de um dia.
Não trago novidades ao colo, nem arquivos nos olhos,
(porque razão as traria?) nem choro, de lasciva alegria,

Descontente dos sonhos, que em mim s’impregnam
Sem os conseguir ver…
Não me peçam, não me peçam
O sol se o que quero é… só chover.

Jorge Santos (Julho 2013)

O risco


É um risco, por onde vou, decerto
Não preciso ir, mas alma bravia e cigana
Não tem estadia certa, quer chão
Duro como almofada e sem fronha,

Brando, o corpo, sem dúvida (decerto)
O pó da estrada o tornará bruto
E deserto, tal qual aragem seca do bocejo
De equilibrista antes de cair morto

No chão. É um risco, por onde vou,
Decerto vou encontrar das mesmas
Estrelas com que povoo a imaginação
E os povos das fábulas e das lendas…

Se esperares por mim, voltarei,
Com todos os sonhos, num saco gordo
Dessas estrelas, com que eles se fabricam,
Noutro mundo.


Jorge Santos (05/2013)

Quando me deito...


Quando me deito, é uma traição
Que faz a mim mesmo, o corpo,
Escrevo poesia pra não esquecer de pensar,
Como se fosse este, dum outro,

O pensamento. Esqueceria o eu, de qualquer modo.
Se escrevo de dia é pra não esquecer
Coisas que esqueceria
Doutro modo, sendo noite,

Poder-me-ão,
Roubar deitado

Deitando-me, eu morro um pouco,
Porque dormir é não pensar,
Deitado roubo do sonho o pensar
Come se fosse o pensar d’outro

Quando me deito é uma traição
Que faz a mim mesmo, o corpo.

Jorge Santos (04/2013)

Poema da linha do horizonte.




Poema da linha do Horizonte.


Entre o aonde e o perto, decerto
Escolho o longe e o beijo do deserto
Distante, Homérico…
Por ser mais incerto se me perder

Pressuposto é…
Poder ver de-lá, o sol-posto,
O céu cor de escarlate e bege,
O beijo do sol-poente
E as montanhas de fogo
Estenderem-se p’lo horizonte,
Pungente de leite-creme e nata.

Prendo a amplitude d’um folego,
Não vá desaparecer de repente,
O ilógico e frágil,
Encanto, 
Um mágico com estandarte
D'invólucro, de fractal silêncio,
Envolve-me a razão,
Como um feliz queixume…
…A-céu-aberto

Será caso pra que se não erre nós, caminhos
E cruzamentos, assim como
Se  não erra, nos sinónimos
Da palavra te-amo,

-Amo o longe e o pra’onde
-Amo o incerto e o lugarejo
E que o vento, me convide
Pra um pais longínquo,
Aonde ande o descalço,
O mago e o beijo do horizonte.


Jorge Santos (03/2103)

Homília ao silêncio...


Homilia do silêncio


Perguntei ao silêncio porque  se iludia de sigilo,
Repetiu-me do exílio a censura e o vácuo,
Pousando os tentáculos à volta do espólio
Do meu peito, interrogando-por quem eu sou?

Perguntei ao silêncio onde jaziam as palavras
Dele, compareceu-me o nada e o esquecimento
Com a ousadia pouca, das coisas profanas e avaras,
Mirando-me com um esgar de contrafeito.

Perguntei ao silêncio, o significado de contradição,
Retorquiu um eco árido e oco como piras a arder,
-Porque levava eu de dentro, tamanha danação,
E coisa alguma num taleigo, impossível d’apegar.

Perguntei ao silêncio, se alguém me ouviria, pra’lém
Do fim, respondeu-me a morte, na esquina da sala,
-Completa a vida tua e amaina a miragem,
Essa que alguns pensam ter da lucidez o saldo…

Perguntei ao silêncio o cargo que ocupava, na suprema
Escala humana e não obtive resposta alguma…



Jorge Santos (03/2013)

Sabe a Gosto...


Estou triste, como austero o dia e eu
Condenado a um sentimento sem nome,
Semelhante ao gelo na voz que um dia m’emudeceu,
Cativo d’uma angústia atroz que consome

Até o mais empedernido dos mortais.
Vou fingir que durmo, enquanto a tortura
Dura e morder nos lábios os meus ais.
Vou apertar o coração até que seque e morra,

Soubesse este não acordar de novo e vivo
Vandalizaria o jazigo ao demónio, já hoje
E queimava os versos do arquivo e calava a boca ao povo
E apagava da lápide a raça, do dito cujo,

Não fosse o uivo ser lembrado ou eu lembrar-me
E me tome por obra sua, prestamista
Duma alma que por acaso já tivesse o seu nome,
Não sendo eu, que o diabo me possua na pérfida lista.

Estou triste, tão triste que o frio me guia
Os dedos na direcção da neve nua e fria
Mas ver nuvens -travesseiro suave- d’algodão
Doce é algo que me sabe a seda,a Gosto e a verão…

Jorge Santos (02/2013)

(Na hora mais despida)


Que seja eu, os meus pedaços
E todas as mãos que me lerem,
Espiem meus passos, sejam laços
Juntados, pontas que estes não têm,
E os nós destes,

O decotado perfil, do que nem creio,
Sem a verdade p’lo meio, espécie d’enleio
Da imaginação febril que odeio,
O indício irrefutável que m'alia ao alheio,
Nós da voz, súbdito da gaguez.

Que seja eu ,os meus pedaços,
Nos bosques espalhados, aos lobos
Porque são versos, porque não versos?
Alguém reclamou achá-los?
Rodos de chavões,

Para meninos do coro,
Quero o prémio do efémero ,
O murmúrio crível e caseiro,
O lado de lá do futuro, quero
Que seja eu, aquele quem mais conheceis,

Que seja eu, os meus pedaços,
Os espaços entre os demais astros,
O palco e os beiços dos palhaços,
Que sejam meus, os despidos abraços,
Que vos deixo em confissões…

(Na hora mais despida)

Jorge Santos (02/2013)

O céu está a cair...


Os pássaros do precipício,
Cantam de cabeça pra baixo,
Também por fora deste edifício,
O meu coração perplexo,

Olha o chão do bairro, p’lo alto,
E vê pouso fixo,
Na certeza do extremo salto,
Encontrar um eixo,

Que lhe voe a alma, mas a sério.
Aprendeu com as aves
Do abismo, o vício
Da vertigem e dos ares,

Porquanto houver,
Um mastro ou parapeito,
Numa janela qualquer,
E no peito,

Um coração determinado,
Pra saltar,
Não estará o sonho, acabado
Em terra firme, ou no ar.

O que fiz pra que acabasse,
Essa espera do voo extremo!?… fiz
Simplesmente, o céu abater-se,
Cá em baixo, sobre mim...

Jorge Santos (02/2013)

Permitais-me ser Triste...


Permitais-me que silencie o contentamento
No rosto, se hoje me acenavam 
Ainda, foi por bondade ou o oposto,
Pois sorrisos bons, nessas bocas não moram,

Deixai-me, pra que morra,
Sem saudade nem lembrança,
Porque se, a esperança ainda aqui se demora,
Vai abandonar por certo, esta minha praça,

Fico grato a quem me conheceu,
Mesmo que não tenha visto as minhas gotas
De lágrimas, como eu as sinto, caídas do céu,
Que não posso descreve-las, de tão belas…

Nunca fui hábil, na arte de amar o vizinho,
Nem noutra qualquer arte,
Deixai vir a morte, de mansinho,
Pra que também esta, não me “tome de parte”,

Permitais-me que, seja o mais triste,
Que o silêncio consente,
Porque, se viver é um “estado de graça”,
Em cada dia que passa,

Agradeço a Deus, o aval concedido,
Mas deixai-me por favor, ficar calado,
Apreciando a sorte,
De poder ser triste sendo contente…

Jorge Santos (02/2013)

Grande é o Panteão dos meus...


-Fui dentro de mim entrando, entrei
E vi vestígios do que se já viu
Vi um céu interior e brando, bradei
Aos meus, no brado que se me partiu,

A um sol redondo e a um silêncio estival,
-Ai daquele qu’en seu sonho traga
Desertas preces e marés dest’areal
-Ai daquele qu’en s’us olhos s’afoga,

Ou é um homem de vime envolto
Ou mora junto ao sal da margem
-Há um mar no avesso e um quarto,
Cansados de tanto esperarem,

-Fui dentro deles, escondido                                 
E vi vestígios do que fui e possuí
Antes, sob a tutela do cedo…
Meu coração possuído já não possui,

-Agora carrego, esteiras alheias
E sombras por habituação
Enredo-me nas fantásticas salas
Que, por não serem, minhas são…

(Grandes são, de Deus as casas,
Grande é o Panteão dos meus)


Jorge Santos (02/2013)

Sombras no nevoeiro...


(Sombras no nevoeiro)

Sinto que sou um poeta falhado,
E escrever tornou-se uma tarefa
Balofa, à qual me não dou de todo,
Sinto um receio que m’atabafa,

No que digo, como se fosse eu, Rossio
De vão d’escada, fico-me p’las deixas,
Bem lá no meio duma seara de joio,
Aonde se não diferença vultos e névoa.

Não espero troco nem pago de saldo,
Justo por algo que não tem pra’mim custa
Nem apego, julgo que me sinto dividido,
Entre o que digo e o que dizer me basta,

É como é, o reverso e a medalha,
De um lado, vem algo inscrito,
E do outro nada que o valha,
Apenas o dom e o dia de morto.

Sinto que sou um poeta falhado,
Por todas as razões e d’outras,
Apregoo estas de telhado em telhado,
Mas confesso-me cansado d’inventar desculpas,

Pois nem tenho assim tanto de escritor,
Como um louco
Tem, do cajado dum actor,
Ser o seu sólido especo…


Jorge santos (01/2013)

O que é emoção e o que o não é...



Nada mais me provoca emoção, cansei-me da vida que levo,
O fardo que carrego é uma âncora, assim como outra tralha,
Que não se vê mas sente-se, como um estorvo…
Esta vida ausente, este navegar à tona, sem escotilha…

E a gente vulgar que germina onde sente que há bolor,
Mas o pior é quando o céu se tinge de igual cor
E não me deixa ter noção do que há nas flores,
Nos lagos, nas montanhas e bosques com espaços interiores…

Ah,… os poentes que dão vontade de beber de um fôlego,
A sensação e o gozo ao penetrar um corpo de mulher,
A chuva branda, caindo em cordel e a lembrança que albergo,
Do fogo crepitado da lareira, amadorrando o crer…

De tudo isso abdiquei eu, da subversão, do voo,
De exércitos de estrelas suspendidas, dos prados parados
Saindo dos rios e dos peixes, vestidos de quem sou…
Nada mais me suscita a vertigem dos passados tempos,

Assim uma espécie de faina mas com os barcos presos
No cais, visitando ilha após ilha, maré após maré,
Até que a última estrela caia do horizonte leitoso
E eu não precise mais apartar do que é emoção, o que não é…

Jorge Santos (01/2013)

Jardim de Inverno...


Nesse impossível jardim,  
Sujeito á plácida meditação
E ao querubim do suicídio,
A vista, sem demorar nos frutos,

Perde-se da noção de pressa,
E a sensação de me perder de mim próprio…
Cabra-cega da tristeza,
Vibração do meu peito herbário…

Que se passa em mim,
Que continuo ansioso por atenção,
Nesse impossível jardim,
De Platão nesse mesmo chão, de Adão…

Que se passa em mim,
Arredo entre o medo e o termo
Guardado do princípio ao fim,
Pl’o destino, que me concebeu tão ermo,

Tão delido na rua, sinónimo
Do medo que me adula,
Caminho no parque até ao cimo,
Depois atiro-me a voar qual rola,

Rente…rente ao chão.
Feliz jardim em clausura
Era, gasto verão,
Ou invernia em haste pura.

Nesse impossível jardim de inverno,
Perdi mais de uma vez a razão…

Jorge Santos (01/2013)

tradutor

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