Ralhos dest'alma


Emissário de um rei desconhecido
Depus no trono um outro dono, sem trégua
E pouco a pouco também fui desprezando
A entrega, missão assaz vaga e de má paga,   

Onde eu cumpro informes instruções de além,
Inconsciente no meu olhar inquieto, distante
E disperso, grito repetidamente por ninguém
Não por aflição, esperança tocante ou morte

E às bruscas frases que aos meus lábios vêm
Reagem agitadas as maldições e as inúteis teorias
Como ralhos que d’esta alma elíptica provêm,
Por isso, as deixo repousar, dormentes, fugidias…

Soam-me a um outro e anómalo sentido...
Dissipadas no anel de nimbo que guardei intacto
Missiva a um rei outro,mudo, conhecido
Do céu estrelado que visto em segredo, como hábito.

Jorge santos (03/2011)

O dia em que o eu me largou





No dia em que o eu me largou,
Arreiguei um cargo desnecessário,
160 Graus/leste, (a meu ver) antónimo
Da noção de básico e sem préstimo

E onde o ermo é o meu elemento supremo,
Cansado do ser que eu próprio sou,
Cem por cento anónimo e néscio,
Tomei a paz como acessível confessionário,

Não, que não queira o sentir que possuo,
Mas não aprendi a ser mais espontâneo
Nem no vigésimo dia em que o eu me largou
Actualmente confesso não ter fé num novo cenário

E ainda penso no sossego do sol tardio,
Como a resignação perfeita do final do dia ,
E uma visão do mistério que não controlo,
Mas tento manter o essencial d'ele ao colo,

Apesar d’ uma crença orgânica num novo eu.

Jorge Santos (03/2011)

Tenho escrito demais em horas postas...



Tenho escrito demais, em vulgares gotas,
De que jorram gastas, comuns coisas e lugares,
Umas menos claras, mas todas apáticas
E feitas de maus versos, verbos regulares

E colagens, enxertos d’ textos, teorias
Outras realidades que conto, iguais exteriores,
A pretexto de serem partes de flores, velhas
Espécies, raras ou horrores, por isso mesmo seculares

Confundi-as c’os cometas, d’ caudas devolutas
Destes Debates, dessas diluídas luzes
Mortas, enigmáticas, alheias, hepáticas
Notas de, efemérides e depostas vozes

Onde me exprimo! Nas opostas letras…
Emocionais? Intensas? Letras sem pés,
Tantos símbolos, Tantas escritas, tantas vidas
Por quem sou ademais estranho e aprendiz

De diversas forças, antagónicas e desesperadas.
(tenho escrito demasiado e sem gosto, indecentes
E perfeitamente alinhadas coisas, breves, inoportunas,
Tantas as que gostaria de falar, com os meus mestres

E ser o pó nas estradas, deles pisadas, veias,
De gotas fantásticas e nem sempre iguais a docentes
Riachos correndo, regulando, por d’entre, as enxurradas)
Todas as teorias minhas não passam disso mesmo, magras flores,

Onde espeto fragmentos de dizeres d’outros em obras póstumas.

Jorge Santos (03/2011)
http://joel-matos.blogspot.com



Nasci onde as ondas do mar se calam



Nasci onde as ondas se calam nas pedras,
Onde a fala se confunde co’mar,
Vinha de manhã cedo pra brincar,
Com os seixos que docemente me falavam,

(Como quem delega num filho um segredo),
Num lugar secreto onde tudo era tranquilo,
O rolar das ondas quedava ainda mais lento,
Lavava por dentro o meu coração,

Num leito de calhaus polidos,
Ia até onde chegava a maré cheia,
E ali ficava, calado, na tarde, esquecido, pasmado
Com a doçura de sal e lábios e areia,

E nas palavras, que de noite emudeciam,
As promessas que o mar me desse
E os sons que na noite falassem deste…
Quem me dera que nunca fosse

Acordado p’lo mar embrutecido,
Mas, se ele me desse um búzio, (mesmo pequenino e partido)
Eu ia embora mas não mais deixaria
De acordar de manhãzinha e bem cedo,

Pra nele colar o meu ouvido,
Mesmo que fosse viver longe do mar,
Ele estaria sempre ao meu lado
Porque nasci onde o sal se me colou na pele

E não me canso de ouvi-lo falar, (do mar)…
Qual quer que fora o seu rugido,
É eterno e terno ao meu ouvido.

Jorge Santos (02/2011)

Filhos do não


Ainda que, nos ombros suportem a Terra,
Os milénios e durem meros minutos ateus,
E, tão de noite seja, que de manhã nem descora,
O tinto vinho, da taça despejada de Deus.

E os réus, os que Te servem frio e morto,
E se comportam como filhos do não,
Condenados a partilhar de golpes no rosto,
Dum Cristo, a náusea e a nua paixão.

Ainda que pese sobre as Tuas costas,
Esta Terra cinzenta e estreita,
Ainda que homens ajam como bestas,
Ou feras cativas, sempre à espreita,

E os venenos destilados em taças,
Sirvam de ampulhetas dos restos do tempo,
Ainda que seja absurdo que sofras,
E voltes a assentar a cabeça, no herdado cepo

E a apodrecer no jazigo raso dos soldados gregos,
O silêncio do cosmonauta cantará nos teus ombros,
Até doerem os címbalos  outrora surdos,

E a luz de muitos sóis, perdurará nas pálpebras fechadas
Ainda que encerres os teus deuses dementes,
Longe das manhãs breves e nas tardes luzentes.

Jorge Santos
(02/2011)

Amo porqu'amo...


Amo porqu’amo, pra ser exacto,
E, se criei um tampo e um palco,
Entre a razão e o peito,
É por’c’amo tudo a temp’inteiro,

E, se sei d’amor, o q’este m’ensinou,
Enfim, o resto aprendi , d’vendo
Ao corpo a ilealdade,
Com a qual me complemento,

Embora esta se me não adapte,
Como uma “amigalite” íntima,
(algo que não tenho nem existe)
E ao espírito, no estilo d’escrita.

Não me compete a mim banalizar,
Ainda mais essa coisa,
Que traio no pensamento,
E no copo, fica sempre por acabar,

Mas, quando estou inspirado,
Pespega-me um prazer intenso,
Próximo do orgasmo,
(Doce, mas sem acto)

Dia perdido, vida perdida, indistinta,
Mas, a minha imensa
Desilusão, encontrou um sabor novo,
Pra mim, inédito e físico, Amo…

Não o abstracto, mas o real …

Jorge Santos (02/2011)

A raiz do nada



Cai a chuva do nada,
Constante, tecida,
Cai a chuva na face,
Como que s’oferece ,

Resignada, leve.
Cai a chuva do nada,
Nesta face breve,

Neve adormecida.
Cai a chuva na face,
Como que s’oferece,

Resignada e leve,
Cai a chuva do nada,
Tolerada e leve,

Flutua numa claridade
Ímpia, embebida
Num suave doce.

E eu, que choro
Inúteis rios,
Mortos de sede,

Soro escuro,
Atravessado de vazios
Desenhos na parede,

Em estuque sujo, frio.
E eu, se pudesse beber,
Deixaria de ser raiz
Soterrada.

Jorge Santos (02/2011)

Ponto sem nó


Nó e ponto, em sequência e igual a todos
Os invadidos de uma senilidade fútil qualquer,
A modos que formatados a zeros,
Sem nada de orgulho oculto pra um Deus leigo entender.

Cumpro uma missão que não entendo,
A mando d’um ser supremo que desconheço,
Nem sei qual é o meu fardo,
E qual o meu preço,

A roupa que visto, não é minha, nem a teço ou faço,
Uso-a por adereço, escondo debaixo o sujo
No corpo, igual a tantos outros, assim me disfarço
E consigo conviver, imundo comigo e camuflado co’meu nojo,

Comprovo-me ao sol e debaixo dele sei por vezes q’existo,
Quando m’afundo num corpo bonito de mulher
E, se ungido sou, do sangue vindo dum incerto Cristo,
Ele olha-me severo, da cruz, sem nada dizer, ou fazer

E o que vejo, no espelho, é uma revelação
Triste d’outros rostos, de esquecido rasto,
Não me orgulho, nem um pouco, da humilhante missão,
De carregar na pele, um número tatuado, a ferro e fogo.
                                                                                                                                             
Ofereço-me no patíbulo, a custo zero, e não me enfureço,
Se amputado dos sentidos ou fuzilado por me traír, reduzido a um pó,
Que dizem ser, poeira dos anjos, disso não me convenço,
È apenas o supersticioso espírito, fazendo troça, dum simbólico corpo,

Sem culpa, se faço parte da miragem de mim mesmo,
A imortalidade será um mito mágico, infantil,
De que adoeço amiúdo com o febril sonho de que sou de mim senhor e amo,
Mas, tal como quase toda a gente, sou ponto sem nó, i sem til

Nem fúria nem vitória, ponto.

Jorge Santos (01/2011)

Uma mão cheia de história



Trago, dentro de uma mão, a cheia e na outra vaza, um coração
Paisagem que creio ser feito dos areais granulosos dos extremos
E única a razão dos meus desassossegos extensos.
E os vidros simbióticos das janelas dos comboios, só uma ida,

Se me dizem que “o amanhã não existe” é só o mar em roda, …
O mar em roda dos carris e o que me abraça a visão 
Do país do verde solvente e do cais da bruma cega,
Tão abstractos e secretos como a textura dos meus versos.

Ninguém perguntou se-me-quero-dono desses segredos nus,
Sejam-o-que-forem, é ao inaudível cheiro da terra que pertenço,
Batendo, batendo dedentro dum inexacto e disléxico Malhoa
(Dizem-me das Tágides e dos nómadas veleiros cavalgando céus)

O silêncio fabrico-o eu e minto-o e invejo-o e invento-o,
Porquanto não o avisto, na vasta paisagem, a erguer nos braços
O poente que na noite preta, já se pensou navegar
Dou por mim no wagon-lit, mão vazia, sem posse nem pensar.

A pior névoa provém do pensamento, neve branca
Esquecida em pó de cal, assim é o meu país indeciso
Entre o sol e o sal, anónimo como a multidão sem alma,
Traz numa mão a história na outra a falsa e triste esperança.

Jorge Santos (01/2011)

Nau d'fogo



Cometi de todos e dos mais bárbaros crimes,
De Baltimore a Dar-es-Salam,
Entre Damasco, Cairo e Jerusalém,
Não sei nem quantos escarros eu cuspi de desdém,

Se tudo o que fiz foi acto de fé sem Juiz,
Passageiro de Metropolitano tempo,
Ou Meretriz no reino da Etióquia,
È curta e rude a eira em que me deitei,

Meu coração passou não muito ao largo disto tudo,
Da ilha de py, no Egeu, onde alguém espera por quem o salve, de si mesmo.
Na Lídia do Pégaso, aonde mora a tarde extravagante de pã,
Ou na umbria Skye, d’onde logro no escuro a barca da noite.

Estive onde nunca de noite fui e aí fiquei,
Em todos os topos picos, todos os portos e brancas praias
Do globo e calotes polares, do norte errado,
No rumor do mar jónico, ao encarnado,

O corpo trago, ainda preso a uma paliçada,
Feita dessa armadura eriçada de espinhos, dum Cristo,
A um falso obelisco, para me não lembrar q’isto,
D’en vão sonhar, não é sonho nem é nada,

E não vou orar a’outra rosa cálida, onomástica
Ou triste e apagar o q’aqui nest’alma é palio vestígio,
Frágil… frágil navio de Mar solto,
Frágil e curto.

Por vezes acordo de repente,
Sem saber como preencher os espaços em branco,
No corpo mau, é certo…
Mas a nau d’fogo, que consumirá meu espírito, velejará pra’sempre

Sinto-o…sinto-o no meu sangue quente

Jorge Santos (01/2011)

Príncipe Plebeu



Ah,  nem Imperador nem Rei,
Nem doutor licenciado,
Não sei se morrerei
E  serei incinerado,
Rindo da vida que não entendo.

Ah, nem Imperador nem Rei,
Nem Führer de grei,
Não fora eu nascer na valeta,
E seria pronunciado com respeito,
Quer fosse inusitado ou cáustico.

Ah, nem Imperador nem Rei,
Nem professo pretérito,
(Sem duvidar do que sei)
Néscio e Caquéctico,
Assim definho no meu retrato.

Ah, nem Imperador nem Rei,
Nem sucesso d’empresário,
Se confesso o que fanei,  
Serei preso por tempo incerto,
Na masmorra do estado.

Ah, nem Imperador nem Rei,
Nem famigerado bandido,
Se todos os que inquieto,
Me dão tareia de volta,
E até d’amigos sou lapidado.

Ah, nem Imperador nem Rei,
Do sonho qu’acordado sonhei,
Por d’outros já sonhado, outro, …sonho meu
E nem sei se como real o defino,
E á ilusão de príncipe plebeu.

Jorge M.M.Santos (12/2010)


Samarkand



Na Ágora eles balbuciavam e elas caiavam casas de areia,
Os conquistadores, (excepto os poetas; esses eram justos)
Eles sabiam que o tempo voava, não eu, semilouco:
- (Sei que o deserto, sob as ameias abriga os destroços,

De quando as caravanas cruzavam as dunas,
Com as patas em ferida e sons de sinos de prata
E estendia-se as mãos, para glórias e Messias,
No conforto dos poços, abraçados de palmeiras.)

E os grandes “souks” à beira do caminho,
Eram um formigueiro frenético, de povos sob estrelas,
Onde os homens vinham festejar, agora enfim,
Na Ágora, eles esperam e elas tecem saris de branco.

Aqueles eram apenas astros, que uma vez os guiaram
No deserto através de dunas, vergados de seda
Agora sentados nos calcanhares até de madrugada,
Desmontam a alquimia do que outrora eram.


Jorge Santos (12/2010)
 HTTP://joel-matos.blospot.com

(Baseado no poema de James Elroy Flecker)
“The Golden Jorney to Samarkand”

Se pudesse pegava em mim e seria outra coisa qualquer



Sou cúmplice de um complexo esquema de fraude,
Nunca tive ofício ou profissão mas sou perito “em nada”,
Se pudesse pegava nos dedos e punha-as na fogueira,
Até se tornarem carvão e com ele tisnava a alma toda,
O que sobejasse, claro, não seria salvo da tesoura (ou censura).

A auto-estima é uma harpa, que quando desafinada,
Solta um ruído tosco e em nada igual a voz de gente,
Mas afinal de que me serve o orgulho ridículo e o alarde,
Se minha fala mal afina um gemido dissidente,
E é indiferente a estilos e ao ruído campeão do mundo,

Quem conheço não é meu púlpito  nem me contém,
Nos disjuntos segmentos do tempo corrente,
Que julgo nada mais se chamará do que lenta morte,
Todas as teorias determinam a seu belo modo,
Quanto da alma, do espírito e do corpo ele me rouba.

Exijo duvidar de tudo aquilo que conheço de vista,
Dos calcanhares, do cabelo e da existência futura,
Pois oculto em cada esconde-se a ilusão de uma lucidez perdida,
E assim amarei mais a razão que julgar conveniente (ou convincente)
De suspeita e falsidade, se bem que nem sempre.


Se pudesse pegava em mim e seria outra coisa qualquer,
Menos gente.


Jorge M.M. Santos (2019/12)

O rio só precisa desejar a foz



(É preciso inventar a foz)

O álamo devaneia ao vento
Quando ele sopra nas planícies,
Com o simples roçar das folhas, -completa
Acordes musicais indeléveis-

-Diz, quem ó longe ouve o lamento,
Por não conseguir arrancar Raízes
E abalar c’o vento sem rumo certo,
Do chão duro que foi seu país,

As gotas nos ramos fogem p’lo regato
Pró mar das ondas como falcões livres
Ou Corvos d’mar emigrados do porto

Por’que’não há-de a alma d’ele ser feliz,
Se sonha montado num cavalo solto,
E com’á água, não pára no cais.      

(O rio, por sua vez,só precisa desejar a foz
E volta sempre,sem dizer pra onde foi.)

Jorge M.M. Santos (06/12/2010)
Http://joel-matos.blogspot.com

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