Deixemos descer à vala,
O corpo que nos deram,
Deixai-o ir, com as coisas
Que se quebram, reles, usuais
E os argumentos enterram-se,
Deixai-me sombrio, morrer na terra,
Como é natural, numa concha
Onde a areia se infiltra, na campa
Se entranha, velada estranha,
Igual toda a espécie humana,
Deixem-me descer comum à vala,
Ridículo, mesquinho, profano,
Infra-humano sem futuro,
Falso Profeta, obscuro e cigano
Réu d’minha própria fama,
Como manda a lei e a norma
Nada é nosso, nem o corpo,
Mas tem de haver alma,
O corpo é uma montra,
Fixo-me a ver se o vejo,
Fico-me por tudo isso, cinza
O que não tenho, o que era físico
Grotesco mundano, insignificante
Cor de sangue, excepto
O que não nos deram,
Me revela um absurdo que não sei explicar,
E uma maneira especial, invertida de
Mágoa, mudas criaturas me velam,
Ilógicas janelas estendem-se em silêncio
Sobre campos, enterrados
Órgãos humanos, fálicos olhos, órfãos
De mãe e pai, naturais os sonhos,
A razão e o conhecimento, o instinto
Não morrem, de modo algum se enterram,
Deixem meu corpo descer à vala, comum
Como os simples, donde jamais me erguerei
Em vão, de novo …
Jorge Santos (03 Fevereiro 2021)
Lindo e profundo como a vala tanto referida nesse belo poema quanto as valas onde se atira tudo o que devemos nos desprender. Principalmente 'existencialmente' falando! Desceu a vala o corpo e ficou a poesia!rs Abraços!
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