Quase toco naquilo que penso.



Quase toco naquilo que penso,
Mas se penso na verdade que me toca,
Nem toco aonde acaso eu penso,
Nem penso aquilo qu’inda me toca.
                                                      

O facto de quase me sentir pensar,
Não acalma nem apresa,
A pressa da alma em se dar,
E ninguém conduz com tanta pressa,


Como o pensamento a est’ alma,
Com o dever sem sentido do sentir
Consentido, sentir o longe perto…
Sentir lá fora, o mundo d’outra forma,


Em todos os números-primos da dor intensa
E o conteúdo do sentir insatisfeito,
Quase tocando, aquilo que o cerca e causa
E nos materiais de que o pensar é feito,


Quais largados, em contramão no drama,
De gente, que sente como quem se não tolera,
À falta de se duvidar, em dor e chama,
Em parte igual dele e deste clã na Terra.


Quase sinto aversão áquilo que sinto,
Conquanto toque no que sonho, em vão
Ou não…nunca percebi o quanto
Da razão dista o desacato neste coração.



Jorge Santos (01/2014)

Bebo o fel do próprio diabo até...




Parece que da minha alma não vem conciliação,
Entre o comando seu e o incumprimento meu,
Estranha alfaia, trago eu, a modos de coração,
-Triste, pois não chove, infeliz porque choveu.

Não sei se sou eu, que trago a alma enganada,
Ou o erro deste coração seja, dele se pensar meu,
Tal como o menino, que a mãe julga móbil seu,
E depois apartado dela, por cuja saldaria ele a vida.

Não é uma dor qualquer, aquela que sinto no peito,
Distinta de não saber, o que se quer, mas o porquê,
Assim como que equacionando, se o que vê
P’lo olho esquerdo tem parecenças no direito.

Parece que da minha alma não vem conciliação,
Entre a primavera que vi, e o inverno que desejo, (por tudo)
Além do que da dor consinto e da vacuidade do vão,
Assim vai de erro em erro, meu surdo coração… batendo,

Batendo, batendo… em celebração do dia de fecho,
-Espécie de adufe, em mundana procissão de fé.
Não sei se sou eu, que vendo a posse da alma num texto,
Ou se, quando escrevo, bebo o fel do próprio diabo até…


Jorge Santos (12/2013)

EMBRIAGUEM-SE...



Embriagara     Embriaguem-se, de orgulho puro, da quilha à proa, de estandartes retalhados
Embriaguem-se de verbos duros , como se fossem mortalhas de curtumes,
Embriaguem-se lá fora, no beco, na rua, embriaguem-se… “porra”,
Embriaguem-se com a alegria, das crianças, mesmo sem côdea e sem tecto,

Embriaguem-se e, se porventura pensarem perder–se da razão
Embriaguem-se repetidamente até que de novo se encontrem , nos olhos chãos,
Dos inocentes, nos bairros pobres ou dos lunáticos e utópicos.
Embriaguem-se da vergonha vesga e da solidão, dos nossos subúrbios cercos,

Nos Ghettos da gentalha, nas mantas dos sem-abrigo, aos milhões,
Embriaguem-se, em noites de estrelas roxas e ideais barbudos.
Incendiai, segai pavios, dai às mãos dos gentios, a metralha,
Embriagai-vos de liberdade e que as vossas mães derrotadas jamais sejam violadas,

Nos trabalhos mal pagos, nos degraus dos parlamentos e das opressões,
Nas arcadas dos ministérios, das esquadras, dos grilhões
E das algemas, encerrem as masmorras com as pedras arrancadas na calçada.
Embriaguem-se, contra as governações, testas de ferro

Dos saqueadores e da corrupção, da escuridão e do medo,
Contra os ferozes e os algozes de serviço, dos gordos coronéis,
Destes reinos beras de genocidas a soldo, bem mais que os cruéis,
D’outrora, embriaguem-se e cantem, excluídos e esfolados,

D’agora, cantem sem descanso, até caírem pro lado,
Enquanto bebem, o vício de serem livres, em lugar de acossados,
Por crime d’ajuntamento, até caírem os ferrolhos e as paredes dos cruéis,
Dos bancos, com capitéis d’ouro e caixas fortes, dele acumulado,

Quando acordarem, por fim, os perros dos arrecadadores, será tarde
A bebedeira será global  e... transmissível,...soará a corneta
Dum tempo novo, fundado plos bêbedos, deste mundo esguelha.

Pois que vertam, sangue e vinho, na sarjeta e no soalho nobre, do rico...
Embriaguem-se Porra…EMBRIAGUEM-SE ...

Jorge Santos (12/2013)

-e o sonho ter-me-á sonhado -



             Com a noite, tudo fica calmo, (e frio)
Foge a consciência, do sítio
Definido, p’lo dia pleno.

Soubesse eu, trancar o encanto
Em mim, por de dentro
E suspender o fio

Que divide a noite e o dia,
Em termo,
E mito…

Com a noite, tudo fica calmo e fixo,
Indefinido o real,
E o que posso não explicar,

Nem ver.
Soubesse eu, soltar o encanto
De verdade e sentir,

De mil maneiras,
O ar espesso,
De vales arestes e íngremes ladeiras,

Nas manhãs lavadas,
Renunciaria ao feitiço,
Das trevas,

Feiticeiras ou fadas…
Soubesse eu, d’mil maneiras,
Sentir tudo, sem sentir nada,

Sonharia de dia,
Pois sendo noite cerrada,
-O sonho ter-me-á sonhado-

(Com a noite tudo fica calmo)

Jorge Santos (12/2013

Hoje mudei...


Hoje mudei
Do mercado pra baixa,
Mudei a subtileza
Dos gerúndios
E me surpreendi.

Mudei nas frases
Que estafei de graça
E por mau hábito,
Hoje sou outro,
O tipo

Que volta da praça,
Com flores espontâneas
Num caixote
Sempre Aberto,
Em ti…

Hoje passei por mim
E mudei por ti…

Hoje…
Mudei do mercado pra baixa.

Jorge Santos (09/2013)

Não sei se meu...ou Dele.


Pudesse eu, daqui en'diante,
Fitar-me, frente a frente 
E reconhecer quem sou.

Semelhante a quem ?
Ao Demo ou a um  santo crente?

Estou louco, é evidente,
Mas quão louco é que estou?

É por ser mais poeta
Que gente, que sou louco?

Ou é por ter completa,
A noção de ter tão pouco de gente?

Não sei, mas sinto morto
O ser vivo em que me prendo,

Nasci como um aborto,
Salvo na hora e no tamanho.

Tenho dias de desejar, 
Em que tento fugir e me prendo,
Devagar, por debaixo, da baixa porta,

Não aprendo com os erros,

Tenho tantos... 

E outros em que fujo,
Muitos em que finjo aprender,
Pra, por fim, me perder,
Nem longos nem curvos, na distância
De um eco.

Farto de fingir vitória.

Tenho dias murchos,
Nem distos nem curtos,
Preso às rochas,
Como as cordas na garganta.

Cujos em que escrevo, não pra mim,
Mas pra outros, tampouco,

Tenho dias de deixar passar
O que sinto,
Em que não creio, 
No muito que a mim.. minto,

Tenho dias lisos e frios, 
Como o fio da derrota,
E um sonho urgente,suspenso
No mito que em mim crio, 


"Não será errado desejar ser gente" 
Mas é todavia erro, 
Não desejar ser, o que mais importa,

-Gente como outra qualquer, gente
Que passa sem se fazer notar,
à minha humilde e modesta porta...

(nem sei se eu ou outrem 
o escreveu ma,s se não for meu, sinto-o 
tão como se meu fosse...)

Jorge Santos

Não me peçam para escrever...


Não me peçam os mesmos discursos maduros
Se tudo o que mais quero são silêncios
Translúcidos e puros, todavia mais duros
Que insultos e tão suaves, tão sóbrios…

Tão líquidos, quanto sublime e belo
Há, no nascimento excessivo de um dia.
Não trago novidades ao colo, nem arquivos nos olhos,
(porque razão as traria?) nem choro, de lasciva alegria,

Descontente dos sonhos, que em mim s’impregnam
Sem os conseguir ver…
Não me peçam, não me peçam
O sol se o que quero é… só chover.

Jorge Santos (Julho 2013)

O risco


É um risco, por onde vou, decerto
Não preciso ir, mas alma bravia e cigana
Não tem estadia certa, quer chão
Duro como almofada e sem fronha,

Brando, o corpo, sem dúvida (decerto)
O pó da estrada o tornará bruto
E deserto, tal qual aragem seca do bocejo
De equilibrista antes de cair morto

No chão. É um risco, por onde vou,
Decerto vou encontrar das mesmas
Estrelas com que povoo a imaginação
E os povos das fábulas e das lendas…

Se esperares por mim, voltarei,
Com todos os sonhos, num saco gordo
Dessas estrelas, com que eles se fabricam,
Noutro mundo.


Jorge Santos (05/2013)

Quando me deito...


Quando me deito, é uma traição
Que faz a mim mesmo, o corpo,
Escrevo poesia pra não esquecer de pensar,
Como se fosse este, dum outro,

O pensamento. Esqueceria o eu, de qualquer modo.
Se escrevo de dia é pra não esquecer
Coisas que esqueceria
Doutro modo, sendo noite,

Poder-me-ão,
Roubar deitado

Deitando-me, eu morro um pouco,
Porque dormir é não pensar,
Deitado roubo do sonho o pensar
Come se fosse o pensar d’outro

Quando me deito é uma traição
Que faz a mim mesmo, o corpo.

Jorge Santos (04/2013)

Poema da linha do horizonte.




Poema da linha do Horizonte.


Entre o aonde e o perto, decerto
Escolho o longe e o beijo do deserto
Distante, Homérico…
Por ser mais incerto se me perder

Pressuposto é…
Poder ver de-lá, o sol-posto,
O céu cor de escarlate e bege,
O beijo do sol-poente
E as montanhas de fogo
Estenderem-se p’lo horizonte,
Pungente de leite-creme e nata.

Prendo a amplitude d’um folego,
Não vá desaparecer de repente,
O ilógico e frágil,
Encanto, 
Um mágico com estandarte
D'invólucro, de fractal silêncio,
Envolve-me a razão,
Como um feliz queixume…
…A-céu-aberto

Será caso pra que se não erre nós, caminhos
E cruzamentos, assim como
Se  não erra, nos sinónimos
Da palavra te-amo,

-Amo o longe e o pra’onde
-Amo o incerto e o lugarejo
E que o vento, me convide
Pra um pais longínquo,
Aonde ande o descalço,
O mago e o beijo do horizonte.


Jorge Santos (03/2103)

Homília ao silêncio...


Homilia do silêncio


Perguntei ao silêncio porque  se iludia de sigilo,
Repetiu-me do exílio a censura e o vácuo,
Pousando os tentáculos à volta do espólio
Do meu peito, interrogando-por quem eu sou?

Perguntei ao silêncio onde jaziam as palavras
Dele, compareceu-me o nada e o esquecimento
Com a ousadia pouca, das coisas profanas e avaras,
Mirando-me com um esgar de contrafeito.

Perguntei ao silêncio, o significado de contradição,
Retorquiu um eco árido e oco como piras a arder,
-Porque levava eu de dentro, tamanha danação,
E coisa alguma num taleigo, impossível d’apegar.

Perguntei ao silêncio, se alguém me ouviria, pra’lém
Do fim, respondeu-me a morte, na esquina da sala,
-Completa a vida tua e amaina a miragem,
Essa que alguns pensam ter da lucidez o saldo…

Perguntei ao silêncio o cargo que ocupava, na suprema
Escala humana e não obtive resposta alguma…



Jorge Santos (03/2013)

Sabe a Gosto...


Estou triste, como austero o dia e eu
Condenado a um sentimento sem nome,
Semelhante ao gelo na voz que um dia m’emudeceu,
Cativo d’uma angústia atroz que consome

Até o mais empedernido dos mortais.
Vou fingir que durmo, enquanto a tortura
Dura e morder nos lábios os meus ais.
Vou apertar o coração até que seque e morra,

Soubesse este não acordar de novo e vivo
Vandalizaria o jazigo ao demónio, já hoje
E queimava os versos do arquivo e calava a boca ao povo
E apagava da lápide a raça, do dito cujo,

Não fosse o uivo ser lembrado ou eu lembrar-me
E me tome por obra sua, prestamista
Duma alma que por acaso já tivesse o seu nome,
Não sendo eu, que o diabo me possua na pérfida lista.

Estou triste, tão triste que o frio me guia
Os dedos na direcção da neve nua e fria
Mas ver nuvens -travesseiro suave- d’algodão
Doce é algo que me sabe a seda,a Gosto e a verão…

Jorge Santos (02/2013)

(Na hora mais despida)


Que seja eu, os meus pedaços
E todas as mãos que me lerem,
Espiem meus passos, sejam laços
Juntados, pontas que estes não têm,
E os nós destes,

O decotado perfil, do que nem creio,
Sem a verdade p’lo meio, espécie d’enleio
Da imaginação febril que odeio,
O indício irrefutável que m'alia ao alheio,
Nós da voz, súbdito da gaguez.

Que seja eu ,os meus pedaços,
Nos bosques espalhados, aos lobos
Porque são versos, porque não versos?
Alguém reclamou achá-los?
Rodos de chavões,

Para meninos do coro,
Quero o prémio do efémero ,
O murmúrio crível e caseiro,
O lado de lá do futuro, quero
Que seja eu, aquele quem mais conheceis,

Que seja eu, os meus pedaços,
Os espaços entre os demais astros,
O palco e os beiços dos palhaços,
Que sejam meus, os despidos abraços,
Que vos deixo em confissões…

(Na hora mais despida)

Jorge Santos (02/2013)

O céu está a cair...


Os pássaros do precipício,
Cantam de cabeça pra baixo,
Também por fora deste edifício,
O meu coração perplexo,

Olha o chão do bairro, p’lo alto,
E vê pouso fixo,
Na certeza do extremo salto,
Encontrar um eixo,

Que lhe voe a alma, mas a sério.
Aprendeu com as aves
Do abismo, o vício
Da vertigem e dos ares,

Porquanto houver,
Um mastro ou parapeito,
Numa janela qualquer,
E no peito,

Um coração determinado,
Pra saltar,
Não estará o sonho, acabado
Em terra firme, ou no ar.

O que fiz pra que acabasse,
Essa espera do voo extremo!?… fiz
Simplesmente, o céu abater-se,
Cá em baixo, sobre mim...

Jorge Santos (02/2013)

tradutor

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