Entrego-me a quem eu era,




Entrego-me a quem eu era,
Combinação alegre e triste
De claro e escuro, contorno
E forma,

Serei de modo
A não deixar de ser
O quer que fui, assim eu era,
Sendo sou enunciado do que fui:

-Não domino o impulso,
Expresso o desejo, motiva-me
O sofrimento e a qualidade
De não possuir um nem outro,

Sou o perfeito analista genérico
De tudo que não me interessa,
Particular, ou o estoicamente
Simplista por defeito,

Desconfio da verdade,
Da convicção ser ciência,
Considero nada e ninguém
Conceitos antagónicos.

Desprezo argumentos,
Como um bom actor, desobedeço
Ao guião, embora a minha
Opinião varie assim como as texturas,

Têm uma realidade corpórea própria,
Semelhante ao meu pensamento,
Tão pouco real, ao jeito
Ou duma convicção paralela,

Direi mística ou idêntica
Às solas dos sapatos que embora
Caminhem lado a lado, aos pares
Se gastam desigual.

Se deformam conforme o peso
E em função do andar,
Hesito perante supremos
Axiomas, sofismas

Não fazem mais que confundir
O meu trajeto,
Guiam-me à descrença e, na dúvida
Entrego-me ao que eu dantes era.


Jorge Santos( 28 Novembro 2023)

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No meu espírito chove sempre,




 No meu espírito chove sempre,

E justamente como eu quero,
Chuva triste, anónima a chuva,
Anónimo eu, será que existo nela

Ou ela entre mim e eu. Há um fosso
Cavado e eu parado, curvado
Assomo o poço, aceno, sou eu
Por debaixo no rosto da lua feia

No escuso fundo, meu futuro
Uma nau, pavio apagado, navio
Sem pavilhão sem passado, porto
De abrigo sob estandarte inimigo.

No meu espírito sempre choveu,
Chuva forte corpo enlameado, nu
Por fora e por dentro sem vida,
Inda um riso forçado na boca,

Contragosto em forma dúbia,
Indefinido, a ele fiquei preso,
E à dúvida de eu ser eu mesmo,
Quando me mordo ou m’belisco.

Serei deste ou dum mundo outro,
Onde eu entrei sem ser ouvido,
Ou visto a sair, voltei sem partir,
Pois serei quem sempre fui,

Desconhecido justo com’quero,
Brisa ou vento, nuvem sobre
A floresta, por debaixo quem
Me lembra acabará m’esquecendo,

Assim como um caminho rural
Mal calcado, se quer esquecido,
Por não pertencer a ninguém,
Nem vivalma mais por’í seguir,

Quem sabe, por medo …

Jorge Santos (23 Novembro 2023)

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A essência do uso é o abuso,




 A essência do uso é o abuso,

O atributo é insignificante, real
É a ideia e o curso dos meus
Sonhos, não a utilidade nem “o ser”,

Sabendo que tenho um fim,
Não preciso dum profundo
Propósito, sou céptico, no fundo
Um descrente d’tudo, onde

Tod’agente outra m’acontece
Com espontaneidade, se digo
Que fui então eu sou sem
Dúvida quem o outro já foi,

Sou naturalmente Íntimo e
Próximo d’quem me confesso,
Um desconfigurado original,
Ouso dizer coisas sem fim

Nem meio, sem jugular
Nem conteúdo inédito,chato
Monocordo até no pensar,
Acordo com a sensação

De continuar dormindo
E quando durmo tod’uma
Nação me pertence, assim
Pudesse olhar-me d’frente

Eu, sonho esquecido entre
Mim e eu, verdade falsa
Aquela em que toco e olho
P’la minh’alma sem vigia,

Pensando ver um mar a sério,
Mar sem fundo nem margens,
Minha realidade é ar, não
Dest’mas d’outro esquecido

Reino sem rei, reinado, amantes
Submissas mas sem vassalagem.
Assim me foi proposto, minha
Coroa, meu Ceptro que não uso

Por fidelidade a um outro
Monarca e Rei deposto
Sen’glória, cuja sombra s/historia
É sem dúvida a minha,

Me espezinha, me retalha
Na cara, nos braços pernas
Corpo e flancos.

Jorge Santos( 21 Novembro 2023)

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Vamos falar de mapas




Ler-te, é como ter ao meu lado,
Um sonho de que vou sarando,
E a paz do mais profundo campo,

E naquilo que sonhe, sonhasse
Seguindo o meu instinto, mas não
Vamos falar outra vez de mapas,

Antes que me faça caminho,
Desses que levam a toda
E a qualquer outra ignorada parte,

Que não seja o desatino ao vivo
Que me falta nos calos dos dedos,
Nos cabelos grisalhos do peito,

No centeio abrindo um trilho,
No milho moldando ao vento.
(Estranhos recrutas cegos)

Hoje falamos de mapas, forma
Promulgada do que outros veem
Como mutilação, ilusão de margens

De um mundo exterior ao seu,
A julgar pelas linhas da mão ao tempo,
E até onde a vida poderá ir, senão

Fingindo que as sei ler, quando
Lhes dou um momento da minha
Particular atenção …

Jorge Santos (Março 2023)

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(Creio apenas no que sinto)



Apenas me sinto
Livre enquanto crítico
De mim próprio,
Como se fosse o destino

Outro, eu mesmo
Juiz sui generis e réu
Do foro privado,
Em guerra estranha

Com os sentidos d’outrem,
Socorro-me do falso
Ouro e do parecer
Mármore, ou paládio

Todo o meu esforço
De crustáceo bivalve
Vivo, bora cerceado
P’la casca à mostra,

Enterrado até ao centro
Do umbigo em estranha
Lama mole, frouxa
Pátria que me força

A ser “tal e tal” igual
Ao apelido ingénuo
Desenhado na calçada
Do terreiro do trigo

Seco, seguindo-o me
Segui, porta fora, corpo
Dentro Moniz Mártir ?
Nada me diz Martim,

Valha-me S. Jorge órfão
E uma multidão de seres,
Que não são realmente
Enteados Santos, meus

Aliados distintos, (creio
Apenas no que sinto) …

Jorge Santos (Março 2023)

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Notas de um velho nojento

 




O Trashumante (na primeira pessoa)

Notas de um velho nojento

(parte um)

Houve ao longo da minha porca existência alguns curtos e pouco prósperos momentos de prazer realmente genuíno e em que pude considerar-me lúcido o suficiente para poder auto ajuizar-me ou gabar-me dos meus actos. Recordado e ao vivo, para alguns será condenatório, como estas lembranças de agora mesmo e embora correndo risco de ainda piorar o enxoval, a sordidez e a êxtase do nojo que sinto de mim mesmo como numa mistura agridoce de orgulho miserável, pobre e sem preconceito.
Considero estas memórias cujas antes de mais como um mau hino, um hiato libertador, uma declaração ciente consciente de uma falta de higiene moral, sem cerimonial nem usurpada indemnização de todas as minhas ilícitas, ordinárias e libidinosas ações, não lhes podendo chamar de feitos ou proezas que não escondo, não posso, façanhas são façanhas, não têm nem possuem tão belas ou sujas e desonestas qualidades quanto as que eu a mim próprio me atribuo e me encantam, enojam ou honram apenas e mesmo que só pronunciadas com alguma glória por uma má e reles escrita quanto esta sem estética, harmonia ou beleza, direi que apenas se afigura como da mais fina e refinada flor do esterco, da má reputação ou do pântano lobregue, do logro em que toda esta sórdida, baixa existência se tornou, afinal até os extremos se tocam, indeléveis.
As vielas toscas e sórdidas eram um “habitat” providencial, libidinoso e era nelas que me sentia consumado e em casa, chafurdando na merda, na miséria mais infecta, rastejante. Sentia-me talvez um pouco menor ou ainda mais abjecto se é que sentia ainda algo superlativo no corpo, sob o ralo cabelo, quando saía aos tropeções ou era despejado das imundas tabernas aos pontapés quando se acabava o pouco que tinha para gastar em álcool ou em veneno, sabia lá eu o que era aquela surrapa que destilava pelos rins e que impregnava a pele de cheiro a mijo e a aguardente bera ou falsa numa mistura cacofónica.
Naquela noite fria de Dezembro, lembro-me perfeitamente como se fosse ontem, uma jovem talvez por inexperiência profissional levantou-me levemente do chão com especial carinho ou compaixão, lavou-me o rosto com a ponta do vestido vermelho e olhou nos meus olhos de uma forma tão angelical que me esqueci ou talvez quisesse era mesmo apagar o seu rosto feliz das minhas memórias, quem sabe ela tivesse por momentos esquecido da imundice e dos maus odores a nós próprios e que nos rodeavam, alguns mesmo vindo das rameiras e dos chulos que, como uma fauna nauseabunda, indistinta e vegetal, quase que obrigando quem por ali se aventurasse aquelas horas da madrugada, ao sexo de todas as maneiras, formas e feitios que a famigerada mente humana pode elaborar ou inventar, retorcer.
Perverso por instinto, não pensei uma nem duas vezes, apesar de cambalear tentando endireitar-me nos fracos e alvos braços dela e sem ter o mínimo de decência, pudor ou alguma gota de respeito por algum ou qualquer ser humano, empurrei-a grosseiramente contra a parede grafitada do casario, tentei não sentir dó nem piedade no vocabulário vernáculo, nos palavrões mais velhacos que conhecia e arremessei grotescamente, que ejaculei pelo meio dos dentes em falta e de outros mais que podres. Não sei nem saberei jamais o que é ter dó ou pena por coisa alguma ou por alguém, sentia sim desprezo por tudo e todos e inclusive por mim.
Como quem dobra um submisso animal por gozo, curvei-a pelas coxas, segurei-a pelas axilas e à minha territorial vontade, agarrando-a submetendo-a pelos cabelos mal pintados e encardidos até ao mais baixo que se pode levar contra a seu desejo alguém, usei-a até ser apenas papel mata borrão e mais uma puta sodomizada à traição, de quarteirão barato igual a tantas outras, como era, pensava eu de facto e após o imposto acto não remunerado e criminoso.
Sentia-me novamente tão real quanto repulsivo, abjecto, vasculhando nos bojos das calças sujas, deslavadas do sangue quente da boca da matrona na braguilha, manchado a sémen; procurava pela chave do quarto que se situava mesmo ao fundo dos fundos da rua, numa cave putrefacta, sem janelas e sem limpeza, tão imunda quanto a real realidade dos sonhos de quem realmente não sonha ou nada sente.

O Trashumante (Março 2023)

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