Quem me dera saber, qual é o escrever meu.




I
Quem me dera saber qual é
O escrever meu, lacónico ou não
Executado em granito, (por prazer)
Ou dourado como o infinito,

Nas palavras que, sendo puras,
A humanidade abusaria,
E não da cicuta pra sarar do sonho
Mas do raciocínio crónico, a frio.

II
Não conto no Outono com as cheias,
Porque que haveria de contar,
Se no Inverno de noites frias,
Ouço contos de encantar,

E no sal de minhas veias,
Correm fios de mar,
Nadam meigas sereias,
De onde todos estão, até onde o mar acabar.

III
Há nos silêncios do céu,
Uma tão grande acalmia
Que, às vezes, pretendendo ser dia,
Pareço anoitecer,

Como se fundasse eu, o universo,
Sendo feia e meia a cidade.
Se de facto sou feito,
De grandes sonhos,

Porque sabem a pouco,
Os dias e pequenos
Os sonhos que dito p'la cidade pacata
E divulgo como fossem

Invulgares frisos
Fechados a chaves 7 num tenro peito
Tendo a serventia dum mundo
Que não me serve de todo

Nem no bruto universo,
Acaso o curto
Movimento, não seja meu,
Mas ele outro.

IV
Quem me dera
Ter a têmpera branda do ganso,
Na mobilidade fixa dos astros,
Se colo o rosto no vidraço,

Se no que faço,
Ser sei, meus dedos fracassos,
Sei, com velas de cera,
Pintar poemas, em magros vasos.

Ou melhor,

Quem me dera
Não ter asas de estar, pra voar
Baixo, mais rente à Terra,
Se nos rios dela, pra vir chorar

Sou vedado. Sem verdade nem proveito,
O sofrer me quebrou a vontade
Quedou o doer d'antes, o "sem cidade"
Quebrou a face no amargo ofício d’escrever

V
Quem da dor se achava fiel acolito
Caiu em ruinas
Por olhar dentro dele e dum outro.

Há no distante do céu,

Algo que queria na Terra eu ter,
No silencioso escrever meu,
Um absoluto e louco querer,
Uma proposição que caminhasse, ao meu lado.

Jorge Santos
03/2014

Sei apenas, valer isto.





Sei apenas, valer isto,
-Uma criatura de relance,
Crendo-se frade ou monge,
Não passando do Ex. Tio,… Ausente

Num romance de Dumas Filho,
Que ninguém leu ou viu.
Sei valer apenas isto,
(Sem reenvio depois d’ido)

Sobrevivo nulo, goro
E ridículo, na versão
De gordo-cachorro-vadio,
Sinto-me perdido, anão,

Vazio, um sem talento,
Pra empreitada alguma,
Penduro-me 100 %,
Em realidade refractada

E planto plátanos num ilusório palco,
Sonho inútil até para mim,
Estou cansado do café, da bica
E dos bicos dos pés que a cabeça

Não alcança, nem noutra valência,
A minha maior coragem,
É no levantar dos ditos,
Como se um Cristo dissesse,

"Anda" - e ele andou
Não admira, “pau-mandado”, 
Confuso e estúpido, ele andou
Sem sentido, despido, nu…

O meu destino é a demência
2oo mil olhos me mirando
Na jaula dum zoo, distante…
No oriente…nenhum lado

Nem pensar, nem olhos nem janelas,
Banal  triste forasteiro
Preenchido de nada e ar,
Não aguardo o regresso de Cristo,

Nem explicar tudo isto, escapulir
No silêncio do mundo interno
Incurável covardia,
Estafeta vulgar, incompetente

Sem sonho nem frete...
Sei valer, apenas isto.


















Jorge Santos (02/2014)

A hora é do tempo, a gorra.




Todas as minhas horas são eleitas p’lo uso.
Por me permitirem um usar diferente
Nas horas cujo fato não me serve de refúgio,
Quer me fite ao espelho, de lado ou de frente,

Uso de fato e gravata que serve a quem se chama vazio,
Vago, inexistente e então esse, sou de facto, eu.
O facto é que as horas sendo um axioma de Descartes
Todas as horas minhas, serão viúvas, ou eu; delas órfão.

Nem penso se sou real pra elas, ou se real existo,
Sei por certo descartar Descartes e visto o tempo,
O fato e as luvas como um tal Maquiavel Fausto,
Ou Abias Rei, tendo na casula, ao invés; o cruxifixo,

As minhas horas, feitas são, todas de simples uso,
Porque os sentidos que uso não são medíveis,
Nem medível é o céu, que imagina um cego,
Apenas pelo tato, sendo esse lato teto, o meu lema,

A mesma desilusão sem fim, apesar do uso diferente,
E do tema que colo ao peito, em cada hora…
Não estranho pois, se na minha alma ausente,
Não sobrar atenção, pras honras no balcão desta Terra.

Com as horas, é tarde e decresce a aptidão de viver
Entre gente, como se vivesse por viver, sem nada à frente,
Por ser tarde e a hora não crescesse por dentro da noite
De mim, que tenho a alma fora e, a hora é do tempo, a gorra.,

não minha...











Jorge Santos (02/2014)

Talvez o sonho do mar, seja meu pensamento.




                                                                                                Fernando Pessoa aos 7 anos (1895)

Tenho horror ao que vou contar
Sobre o mar, costumava sentar-me
Na orla como se fosse num banco
E debruçava-me e balouçava
Nos braços que me adormeciam,

Fosse real ou não aquela sensação,
Envolvia-me o pensar, esquecia
A ideia do medo, depois separava-me
Do corpo sem deixar intervalo…
Tenho horror ao que vou contar,

Mas sinto necessidade de ter medo,
Para que possa recontar a historia
Dos meus súbitos sentimentos.
Quero contar a razão do mar ser triste,
Porque nada se parece com ele,

Nada é tão profundo e desmedido,
Porventura a vontade de me afundar nele
E isso apavora-me, ele e a espuma,
Cantam-me a morte por esclarecer,
“Quem sabe o que está no fim dela”

Sinto uma espécie de longe, no acordar
De quem recorda junto ao mar,
Sobretudo sem saber de onde vem
A tristeza dos sonhos que se sonha
P’los fundos do mar.

Quem sabe o que está no fim dele,
Acaso algo que nem Deus permite
Que se saiba,
Talvez o sonho do mar, seja
No fundo, o meu pensamento.






Jorge Santos (01/2013)

O dia em que decidi morrer.





Hoje decidi que quero morrer,
Curioso é nunca ter pensado antes nisso,
Mas a vida tornou-se uma sala de estar, sem cor
E o privilégio que dela se deve possuir, não o sinto.

Tenho na alma uma sensação de descompromisso,
Como se viver fosse o corredor da morte e o estar preso
E pra’lém disso, tudo fosse sossego e calma,
Mutilantes as lembranças acaso cortassem.,

Os crepúsculos, (essência distante
Do que ficou para trás), não passam disso, ilusões…
O vazio constante que se acumula, onisciente,
Ingrato, incógnito, que faz desistir o querer.

Sim, só hoje decidi que quero morrer,
Por isso falo com saudade dos céus roxos,
Da sala estreita, onde vago, meu lirismo
Vagueia, cheio do que pode fazer lembrar, o doer.

Quantas vezes o sol-se-pôr no meu sonhar veio,
Quantas vezes comecei um sonhar p’lo meio,
Quantas vezes convenci a consciência que era tudo real
Por isso hoje decidi morrer de morte natural.









Jorge Santos (01/2013)

Estátuas de cal-viva.




A palidez excessiva
É o que torna perpétuas
As estátuas de cal-viva
E tristes as madrugadas,

O que posso dizer,
Dos donos das heras,
Devorados p’la larva pária,
Da honra de não morrer.

-Como querendo não querer-
Assim escrevo…
Por impulso, duvidoso                                                      
Do paradigma que sou,

Assumo o meu ser
Inacabado,
Celebro o que falta
Dizer sem dizer,

Oxalá o dia
Acabasse manhã cedo,
Para que pare o querer
Libertar-me
Do tributo
Que presto ao pensar,

Acordar de novo,
Não sendo servo do que escrevo,
Aonde não houvesse chão,
Num colchão de ar,
(Se de poesia fosse feito)

Mas só estou triste
Numa face,
A outra não resiste
À cal e perece,
Consciente, esquecida.


Jorge Santos (01/2013)

Poeta acerca...




Pra’lém do que há, o mais certo é não haver
Mais nada a juntar ao que já existe…
Ideia absurda - a realidade ser equidistante,
Da visão dum louco, quanto do meu ver.

Em encontros casuais com a realidade,
Parecemos formar um par perfeito,
Funcional, diria até, um casal de respeito,
Que acaba discutindo como qualquer outro.

Coloquemos, entre quatro paredes, sem ar,
O quadro a óleo, de uma pintora morta, praticamente famosa…
Continuará abstrato, na anónima estrutura do pretenso lar,
Como uma peça morta, do que se pensa ser- A NATUREZA-

Assim somos, eu e a realidade, descremo-nos,
Mas procuramo-nos mutuamente, nos pensamentos
Um do outro, ansiosos, como tudo enquanto espera.
Apenas não creio que seja efetivamente verdadeira

Ou quem diz ser, estando eu um passo distante dela.
Pra’lém do que há, haverá sempre, uma versão outra
Do real, escarrapachada nos céus, feita linha ou tela
E um poeta acerca, que no fundo, tudo o resto ignora.


Jorge Santos (01/2013)

Quase toco naquilo que penso.



Quase toco naquilo que penso,
Mas se penso na verdade que me toca,
Nem toco aonde acaso eu penso,
Nem penso aquilo qu’inda me toca.
                                                      

O facto de quase me sentir pensar,
Não acalma nem apresa,
A pressa da alma em se dar,
E ninguém conduz com tanta pressa,


Como o pensamento a est’ alma,
Com o dever sem sentido do sentir
Consentido, sentir o longe perto…
Sentir lá fora, o mundo d’outra forma,


Em todos os números-primos da dor intensa
E o conteúdo do sentir insatisfeito,
Quase tocando, aquilo que o cerca e causa
E nos materiais de que o pensar é feito,


Quais largados, em contramão no drama,
De gente, que sente como quem se não tolera,
À falta de se duvidar, em dor e chama,
Em parte igual dele e deste clã na Terra.


Quase sinto aversão áquilo que sinto,
Conquanto toque no que sonho, em vão
Ou não…nunca percebi o quanto
Da razão dista o desacato neste coração.



Jorge Santos (01/2014)

Bebo o fel do próprio diabo até...




Parece que da minha alma não vem conciliação,
Entre o comando seu e o incumprimento meu,
Estranha alfaia, trago eu, a modos de coração,
-Triste, pois não chove, infeliz porque choveu.

Não sei se sou eu, que trago a alma enganada,
Ou o erro deste coração seja, dele se pensar meu,
Tal como o menino, que a mãe julga móbil seu,
E depois apartado dela, por cuja saldaria ele a vida.

Não é uma dor qualquer, aquela que sinto no peito,
Distinta de não saber, o que se quer, mas o porquê,
Assim como que equacionando, se o que vê
P’lo olho esquerdo tem parecenças no direito.

Parece que da minha alma não vem conciliação,
Entre a primavera que vi, e o inverno que desejo, (por tudo)
Além do que da dor consinto e da vacuidade do vão,
Assim vai de erro em erro, meu surdo coração… batendo,

Batendo, batendo… em celebração do dia de fecho,
-Espécie de adufe, em mundana procissão de fé.
Não sei se sou eu, que vendo a posse da alma num texto,
Ou se, quando escrevo, bebo o fel do próprio diabo até…


Jorge Santos (12/2013)

tradutor

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