Tudo acaba aonde começou...






Tudo acaba aonde começou,
Uma brisa, uma frase, um caminho,
Uma tarde, uma esperança, um voo…
Só não lembro de onde venho

Talvez do mundo do fim de tudo,
Com seus azuis palácios e o que reste
Da canção com que certa mãe embalou…
Tudo acaba onde começou,

Meu coração pairando mudo,
Sem lembrar quem eu sou,
Se das terras do fim do mundo,
Onde tudo começa e aonde ele acabou.

Será que, também surdo eu sou,
Já que da voz de minha mãe,
Nem percebo sequer o recado,
Nem na brisa rosada da tarde,

Que dizem ter a voz que de “Deus vem”.
Se tudo acaba onde começou,
Que se me acabe desde logo a razão
Pois meu absurdo coração, nem caminho,

Nem país tem, é parte sal e fel,
Parte castanho mel como qualquer nação
Onde se misture a dor dos que cá estavam
Com a dos que nem de lá são.

Tudo acaba aonde começou






Jorge Santos (08/2014)

Erva Maldita




Minh’alma é estranha tanto e a vontade mar d’engano,
De verdade, nem sei mesmo quem n’alma tenho,
Que faz meu, um sentir estranho e tê-la eu, pequeno…
Quem dera não ter alma no lado onde o pensar tenho
Nem a infinita variedade de memórias da hidra, ao menos.

Sinto que há em mim, alguém além de mim e maior que eu,
Tenho diferentes sonhos segundo os meses, minutos e anos,
Todos de uma perene doçura, misturados com um sonho meu,
Terreno. Possível é passarmos oceanos sem terras vermos,
Mas quando sentimos é como se crescêssemos uma etapa nova,

Acrescentando esse dia a um mês e a um ano sem longe nem longe
O que interessa saber se o Sol faz o pino durante o Equinócio
Ou Imaginar de pau as andas de um espírito fantástico que foge
Se vendo bem só venho de meus astrais mapas lembrar o ofício
De um sonhar d’alma não meu mas d’outros "eus", (maldita erva)

Minh’alma é estranha tanto e a vontade erva do engano
De ser eu ou ter meu um outro qualquer antigo dom, sobejo.
Não esta fria paisagem d’alma, (cão vesgo de um velho dono)
Prefiro não me achar, que não gostar do espelho que vejo.
(Maldita erva, maldita erva, maldita vontade serva)












Jorge Santos (03/2014)


Quem me dera saber, qual é o escrever meu.




I
Quem me dera saber qual é
O escrever meu, lacónico ou não
Executado em granito, (por prazer)
Ou dourado como o infinito,

Nas palavras que, sendo puras,
A humanidade abusaria,
E não da cicuta pra sarar do sonho
Mas do raciocínio crónico, a frio.

II
Não conto no Outono com as cheias,
Porque que haveria de contar,
Se no Inverno de noites frias,
Ouço contos de encantar,

E no sal de minhas veias,
Correm fios de mar,
Nadam meigas sereias,
De onde todos estão, até onde o mar acabar.

III
Há nos silêncios do céu,
Uma tão grande acalmia
Que, às vezes, pretendendo ser dia,
Pareço anoitecer,

Como se fundasse eu, o universo,
Sendo feia e meia a cidade.
Se de facto sou feito,
De grandes sonhos,

Porque sabem a pouco,
Os dias e pequenos
Os sonhos que dito p'la cidade pacata
E divulgo como fossem

Invulgares frisos
Fechados a chaves 7 num tenro peito
Tendo a serventia dum mundo
Que não me serve de todo

Nem no bruto universo,
Acaso o curto
Movimento, não seja meu,
Mas ele outro.

IV
Quem me dera
Ter a têmpera branda do ganso,
Na mobilidade fixa dos astros,
Se colo o rosto no vidraço,

Se no que faço,
Ser sei, meus dedos fracassos,
Sei, com velas de cera,
Pintar poemas, em magros vasos.

Ou melhor,

Quem me dera
Não ter asas de estar, pra voar
Baixo, mais rente à Terra,
Se nos rios dela, pra vir chorar

Sou vedado. Sem verdade nem proveito,
O sofrer me quebrou a vontade
Quedou o doer d'antes, o "sem cidade"
Quebrou a face no amargo ofício d’escrever

V
Quem da dor se achava fiel acolito
Caiu em ruinas
Por olhar dentro dele e dum outro.

Há no distante do céu,

Algo que queria na Terra eu ter,
No silencioso escrever meu,
Um absoluto e louco querer,
Uma proposição que caminhasse, ao meu lado.

Jorge Santos
03/2014

Sei apenas, valer isto.





Sei apenas, valer isto,
-Uma criatura de relance,
Crendo-se frade ou monge,
Não passando do Ex. Tio,… Ausente

Num romance de Dumas Filho,
Que ninguém leu ou viu.
Sei valer apenas isto,
(Sem reenvio depois d’ido)

Sobrevivo nulo, goro
E ridículo, na versão
De gordo-cachorro-vadio,
Sinto-me perdido, anão,

Vazio, um sem talento,
Pra empreitada alguma,
Penduro-me 100 %,
Em realidade refractada

E planto plátanos num ilusório palco,
Sonho inútil até para mim,
Estou cansado do café, da bica
E dos bicos dos pés que a cabeça

Não alcança, nem noutra valência,
A minha maior coragem,
É no levantar dos ditos,
Como se um Cristo dissesse,

"Anda" - e ele andou
Não admira, “pau-mandado”, 
Confuso e estúpido, ele andou
Sem sentido, despido, nu…

O meu destino é a demência
2oo mil olhos me mirando
Na jaula dum zoo, distante…
No oriente…nenhum lado

Nem pensar, nem olhos nem janelas,
Banal  triste forasteiro
Preenchido de nada e ar,
Não aguardo o regresso de Cristo,

Nem explicar tudo isto, escapulir
No silêncio do mundo interno
Incurável covardia,
Estafeta vulgar, incompetente

Sem sonho nem frete...
Sei valer, apenas isto.


















Jorge Santos (02/2014)

A hora é do tempo, a gorra.




Todas as minhas horas são eleitas p’lo uso.
Por me permitirem um usar diferente
Nas horas cujo fato não me serve de refúgio,
Quer me fite ao espelho, de lado ou de frente,

Uso de fato e gravata que serve a quem se chama vazio,
Vago, inexistente e então esse, sou de facto, eu.
O facto é que as horas sendo um axioma de Descartes
Todas as horas minhas, serão viúvas, ou eu; delas órfão.

Nem penso se sou real pra elas, ou se real existo,
Sei por certo descartar Descartes e visto o tempo,
O fato e as luvas como um tal Maquiavel Fausto,
Ou Abias Rei, tendo na casula, ao invés; o cruxifixo,

As minhas horas, feitas são, todas de simples uso,
Porque os sentidos que uso não são medíveis,
Nem medível é o céu, que imagina um cego,
Apenas pelo tato, sendo esse lato teto, o meu lema,

A mesma desilusão sem fim, apesar do uso diferente,
E do tema que colo ao peito, em cada hora…
Não estranho pois, se na minha alma ausente,
Não sobrar atenção, pras honras no balcão desta Terra.

Com as horas, é tarde e decresce a aptidão de viver
Entre gente, como se vivesse por viver, sem nada à frente,
Por ser tarde e a hora não crescesse por dentro da noite
De mim, que tenho a alma fora e, a hora é do tempo, a gorra.,

não minha...











Jorge Santos (02/2014)

Talvez o sonho do mar, seja meu pensamento.




                                                                                                Fernando Pessoa aos 7 anos (1895)

Tenho horror ao que vou contar
Sobre o mar, costumava sentar-me
Na orla como se fosse num banco
E debruçava-me e balouçava
Nos braços que me adormeciam,

Fosse real ou não aquela sensação,
Envolvia-me o pensar, esquecia
A ideia do medo, depois separava-me
Do corpo sem deixar intervalo…
Tenho horror ao que vou contar,

Mas sinto necessidade de ter medo,
Para que possa recontar a historia
Dos meus súbitos sentimentos.
Quero contar a razão do mar ser triste,
Porque nada se parece com ele,

Nada é tão profundo e desmedido,
Porventura a vontade de me afundar nele
E isso apavora-me, ele e a espuma,
Cantam-me a morte por esclarecer,
“Quem sabe o que está no fim dela”

Sinto uma espécie de longe, no acordar
De quem recorda junto ao mar,
Sobretudo sem saber de onde vem
A tristeza dos sonhos que se sonha
P’los fundos do mar.

Quem sabe o que está no fim dele,
Acaso algo que nem Deus permite
Que se saiba,
Talvez o sonho do mar, seja
No fundo, o meu pensamento.






Jorge Santos (01/2013)

tradutor

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