Permitais-me ser Triste...


Permitais-me que silencie o contentamento
No rosto, se hoje me acenavam 
Ainda, foi por bondade ou o oposto,
Pois sorrisos bons, nessas bocas não moram,

Deixai-me, pra que morra,
Sem saudade nem lembrança,
Porque se, a esperança ainda aqui se demora,
Vai abandonar por certo, esta minha praça,

Fico grato a quem me conheceu,
Mesmo que não tenha visto as minhas gotas
De lágrimas, como eu as sinto, caídas do céu,
Que não posso descreve-las, de tão belas…

Nunca fui hábil, na arte de amar o vizinho,
Nem noutra qualquer arte,
Deixai vir a morte, de mansinho,
Pra que também esta, não me “tome de parte”,

Permitais-me que, seja o mais triste,
Que o silêncio consente,
Porque, se viver é um “estado de graça”,
Em cada dia que passa,

Agradeço a Deus, o aval concedido,
Mas deixai-me por favor, ficar calado,
Apreciando a sorte,
De poder ser triste sendo contente…

Jorge Santos (02/2013)

Grande é o Panteão dos meus...


-Fui dentro de mim entrando, entrei
E vi vestígios do que se já viu
Vi um céu interior e brando, bradei
Aos meus, no brado que se me partiu,

A um sol redondo e a um silêncio estival,
-Ai daquele qu’en seu sonho traga
Desertas preces e marés dest’areal
-Ai daquele qu’en s’us olhos s’afoga,

Ou é um homem de vime envolto
Ou mora junto ao sal da margem
-Há um mar no avesso e um quarto,
Cansados de tanto esperarem,

-Fui dentro deles, escondido                                 
E vi vestígios do que fui e possuí
Antes, sob a tutela do cedo…
Meu coração possuído já não possui,

-Agora carrego, esteiras alheias
E sombras por habituação
Enredo-me nas fantásticas salas
Que, por não serem, minhas são…

(Grandes são, de Deus as casas,
Grande é o Panteão dos meus)


Jorge Santos (02/2013)

Sombras no nevoeiro...


(Sombras no nevoeiro)

Sinto que sou um poeta falhado,
E escrever tornou-se uma tarefa
Balofa, à qual me não dou de todo,
Sinto um receio que m’atabafa,

No que digo, como se fosse eu, Rossio
De vão d’escada, fico-me p’las deixas,
Bem lá no meio duma seara de joio,
Aonde se não diferença vultos e névoa.

Não espero troco nem pago de saldo,
Justo por algo que não tem pra’mim custa
Nem apego, julgo que me sinto dividido,
Entre o que digo e o que dizer me basta,

É como é, o reverso e a medalha,
De um lado, vem algo inscrito,
E do outro nada que o valha,
Apenas o dom e o dia de morto.

Sinto que sou um poeta falhado,
Por todas as razões e d’outras,
Apregoo estas de telhado em telhado,
Mas confesso-me cansado d’inventar desculpas,

Pois nem tenho assim tanto de escritor,
Como um louco
Tem, do cajado dum actor,
Ser o seu sólido especo…


Jorge santos (01/2013)

O que é emoção e o que o não é...



Nada mais me provoca emoção, cansei-me da vida que levo,
O fardo que carrego é uma âncora, assim como outra tralha,
Que não se vê mas sente-se, como um estorvo…
Esta vida ausente, este navegar à tona, sem escotilha…

E a gente vulgar que germina onde sente que há bolor,
Mas o pior é quando o céu se tinge de igual cor
E não me deixa ter noção do que há nas flores,
Nos lagos, nas montanhas e bosques com espaços interiores…

Ah,… os poentes que dão vontade de beber de um fôlego,
A sensação e o gozo ao penetrar um corpo de mulher,
A chuva branda, caindo em cordel e a lembrança que albergo,
Do fogo crepitado da lareira, amadorrando o crer…

De tudo isso abdiquei eu, da subversão, do voo,
De exércitos de estrelas suspendidas, dos prados parados
Saindo dos rios e dos peixes, vestidos de quem sou…
Nada mais me suscita a vertigem dos passados tempos,

Assim uma espécie de faina mas com os barcos presos
No cais, visitando ilha após ilha, maré após maré,
Até que a última estrela caia do horizonte leitoso
E eu não precise mais apartar do que é emoção, o que não é…

Jorge Santos (01/2013)

Jardim de Inverno...


Nesse impossível jardim,  
Sujeito á plácida meditação
E ao querubim do suicídio,
A vista, sem demorar nos frutos,

Perde-se da noção de pressa,
E a sensação de me perder de mim próprio…
Cabra-cega da tristeza,
Vibração do meu peito herbário…

Que se passa em mim,
Que continuo ansioso por atenção,
Nesse impossível jardim,
De Platão nesse mesmo chão, de Adão…

Que se passa em mim,
Arredo entre o medo e o termo
Guardado do princípio ao fim,
Pl’o destino, que me concebeu tão ermo,

Tão delido na rua, sinónimo
Do medo que me adula,
Caminho no parque até ao cimo,
Depois atiro-me a voar qual rola,

Rente…rente ao chão.
Feliz jardim em clausura
Era, gasto verão,
Ou invernia em haste pura.

Nesse impossível jardim de inverno,
Perdi mais de uma vez a razão…

Jorge Santos (01/2013)

Tarde é...e ser também...


Pra’quê o tempo,
Pra’quê a urgência,
E a viagem que o vento
Tem de fazer,
E a que o tempo,
Tem feito, solto

Se o que tarda,
É um comboio,
De carga,
Não se atrasasse,
Não teria fingido,
Viajar, o vento…

Não se lembrasse,
Não teria contado um conto,
O certo, era nem ter
Visto o tempo sonhar,
Um comboio,
De brincar…

E pra quê o tempo,
Se nem tempo tem o vento,
De vir ter comigo, pra dançar…
Todo o resto,
Me segue,
Sem sentimento,

E o sentimento,
Sem sentido,
Vou seguindo,
Sem sentir
Que sou fingido…
Eu também…

Vai fugindo,
O chão que piso,
A luz que não tenho,
Pra quê o tempo,
Pra quê…
Se tarde é… e ser também.

Jorge Santos (01/2013)

Quem irá recordar-se de mim ...quem ?

                                        


Quem irá recordar-se de nós,
A quem não bate certo, o coração,
A razão e não sei que mais. De nós,
A quem de condição, foi bera e peão

Da’brega, do marrar em tudo, por um nada,
De Estoirarmos, como fogo-d’artifício breve,
Nós, os campeões em levar porrada,
Os Blasfemos de Jové, da noite, da “rave”,

Sem dormir “por nada”, porque os nossos sonhos,
Ou são de raiva ou viram angústias e manhãs d’azia,
Se nem sequer temos os sonhos que queremos,
Fantasiamos, os d’outros como nossa parede meia.

Quem irá recordar-se de nós,
Como somos, sendo nós a escala e o tempo,
Condensamos seculos e heras em cenas e segundos,
Condenados somos, como gentios do ghetto

Em noites de cristal e palácios do fim,      
Há em tudo o que fazemos, despropósito e algo que define
A ração do incomum, uma revolução inédita dita jasmim,
Um mundo inteiro em lume e a mnemónica que nos une,

A dor que sentimos ao descrever o vazio e o horror
Que nos banha e afoga de desesperança
E nos céus noturnos questionamos o Divino Amor
Do santo-espírito-da sumida-esperança
  

Quem irá recordar-se de nós assim…quem? 
Quem irá recordar-se de mim…quem?

Jorge Santos (01/2013)

No cabo dos mitos...


No cabo dos mitos,
Onde as brumas moram,
As ilusões voaram em farrapos,
E as mágoas ficaram,

No cabo dos muitos,
Os negros penedos não são d’agora,
São tão antigos, tão antigos,
Como quem lá ficou e chora.

No cabo dos medos,
Onde este país se afoga,
Os magros abalam todos,
O que ficou, chora e roga

Aos medos com que o enganam.
-Não lhes contassem das lendas
E dos mares que heróis trilharam,
Espelham nos rostos misérias inglórias,

No cabo dos magros trabalhos,
Lá,onde os déspotas governam,
Foi imposta
Chacina, aos que habitam.

No cabo das tormentas,
As ilusões fundaram,
Este Portugal de lendas…
Lamento os que o afundam,

No mar de todos os degredos,
Gloriosos os que aqui  ainda vivem,
E morrem  presos
P'lo cabo dos dedos e p'los cabelos...


Jorge Santos (01/2013)
(VIVA PORTUGAL)

Barca de volta e Ida...


A minha ida é feita num barco,
Sem uma única onda lavrando a quilha.
Afeito à vida, virada de borco,
Já nem ardor tem, a minha trilha…

O mar que é branco, quebrado
No silêncio que dista d’ilha em ilha,
Será a Visão do oco medo?
Num barquito sem quilha !?

Tod’o ego meu, eu renego
E inclusive me narro e ressalvo,
-Nau sem vida, náufrago
Cansado, fadiga de ser’inda, salvo

Por si mesmo, d’si próprio,
Náufrago sem quilha,
Nau sem vida, nem barc’a sério
Mas que sempre, sempre me auxilia,

Sem saber, aonde acaba o dia ou me leva,
Nesta viagem de volta e ida,
-É o movimento ondeante da onda barca
Na cresta da onda partida,

Que mede a medida da minha nau e avança,
Abranda a luz do dia…
Então aceito que tudo aconteça,
(E confesso um laivo, não de ira, mas de alegria)

Jorge Santos (12/2012)

Se soubesse que morria amanhã...


Se soubesse que morria amanhã,
Punha na cara, a máscara da verdade,
Que ainda lembro a pouca que tinha
Ontem, por acaso, ao cair da tarde,

Renunciava no futuro,
A ter d’orar a alguém.  
E a solidão seria como um tesouro.
Sem m’importar do desdém,  

Por me sentar, na multidão,  
Estando em vão, no meio deles.
Encher-me-ia de amor sem conclusão
E do coração suave das aves.

Pagaria qualquer preço,
Para sentir fundo, o suspiro último,
Esse que, sem parecer, aqui vos ofereço,
Depois; calmo, abalaria esvaecido em fumo…

Jorge Santos (21/12/2012)

Dizia eu, no outro dia...


Dizia eu, no outro dia,
Que meus rostos todos, não sou eu,
Mas antes o momento relembrado,
D’uma esperança que no corpo guardo.

Digo hoje em dia eu,
A propósito de lembrança
Que não há dia nenhum, que não Peça
De volta a esperança de quem a perdeu,

Nalgum recanto de si.
Dizia eu, outro dia,
Quando não era assim
Tão invernoso o dia,

O tempo e a alma tão fria,
Que estranhos eram, pra mim, os outros
Mas não eu.(pois não me via...)
A propósito de gestos,

Dizia-me eu, n’outro dia,
Invisível ao resto
Do mundo,
Bastava um gesto

E pronto…
Quando acordava
Eu era um outro
Ou simplesmente eu…

Dizia eu…um dia,
Sair vencedor de tudo,
Mas o vencido fui eu,
Que não lembro no futuro

O que disse outro dia...


Jorge Santos (12 /2012)

tradutor

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