Quem irá recordar-se de mim ...quem ?

                                        


Quem irá recordar-se de nós,
A quem não bate certo, o coração,
A razão e não sei que mais. De nós,
A quem de condição, foi bera e peão

Da’brega, do marrar em tudo, por um nada,
De Estoirarmos, como fogo-d’artifício breve,
Nós, os campeões em levar porrada,
Os Blasfemos de Jové, da noite, da “rave”,

Sem dormir “por nada”, porque os nossos sonhos,
Ou são de raiva ou viram angústias e manhãs d’azia,
Se nem sequer temos os sonhos que queremos,
Fantasiamos, os d’outros como nossa parede meia.

Quem irá recordar-se de nós,
Como somos, sendo nós a escala e o tempo,
Condensamos seculos e heras em cenas e segundos,
Condenados somos, como gentios do ghetto

Em noites de cristal e palácios do fim,      
Há em tudo o que fazemos, despropósito e algo que define
A ração do incomum, uma revolução inédita dita jasmim,
Um mundo inteiro em lume e a mnemónica que nos une,

A dor que sentimos ao descrever o vazio e o horror
Que nos banha e afoga de desesperança
E nos céus noturnos questionamos o Divino Amor
Do santo-espírito-da sumida-esperança
  

Quem irá recordar-se de nós assim…quem? 
Quem irá recordar-se de mim…quem?

Jorge Santos (01/2013)

No cabo dos mitos...


No cabo dos mitos,
Onde as brumas moram,
As ilusões voaram em farrapos,
E as mágoas ficaram,

No cabo dos muitos,
Os negros penedos não são d’agora,
São tão antigos, tão antigos,
Como quem lá ficou e chora.

No cabo dos medos,
Onde este país se afoga,
Os magros abalam todos,
O que ficou, chora e roga

Aos medos com que o enganam.
-Não lhes contassem das lendas
E dos mares que heróis trilharam,
Espelham nos rostos misérias inglórias,

No cabo dos magros trabalhos,
Lá,onde os déspotas governam,
Foi imposta
Chacina, aos que habitam.

No cabo das tormentas,
As ilusões fundaram,
Este Portugal de lendas…
Lamento os que o afundam,

No mar de todos os degredos,
Gloriosos os que aqui  ainda vivem,
E morrem  presos
P'lo cabo dos dedos e p'los cabelos...


Jorge Santos (01/2013)
(VIVA PORTUGAL)

Barca de volta e Ida...


A minha ida é feita num barco,
Sem uma única onda lavrando a quilha.
Afeito à vida, virada de borco,
Já nem ardor tem, a minha trilha…

O mar que é branco, quebrado
No silêncio que dista d’ilha em ilha,
Será a Visão do oco medo?
Num barquito sem quilha !?

Tod’o ego meu, eu renego
E inclusive me narro e ressalvo,
-Nau sem vida, náufrago
Cansado, fadiga de ser’inda, salvo

Por si mesmo, d’si próprio,
Náufrago sem quilha,
Nau sem vida, nem barc’a sério
Mas que sempre, sempre me auxilia,

Sem saber, aonde acaba o dia ou me leva,
Nesta viagem de volta e ida,
-É o movimento ondeante da onda barca
Na cresta da onda partida,

Que mede a medida da minha nau e avança,
Abranda a luz do dia…
Então aceito que tudo aconteça,
(E confesso um laivo, não de ira, mas de alegria)

Jorge Santos (12/2012)

Se soubesse que morria amanhã...


Se soubesse que morria amanhã,
Punha na cara, a máscara da verdade,
Que ainda lembro a pouca que tinha
Ontem, por acaso, ao cair da tarde,

Renunciava no futuro,
A ter d’orar a alguém.  
E a solidão seria como um tesouro.
Sem m’importar do desdém,  

Por me sentar, na multidão,  
Estando em vão, no meio deles.
Encher-me-ia de amor sem conclusão
E do coração suave das aves.

Pagaria qualquer preço,
Para sentir fundo, o suspiro último,
Esse que, sem parecer, aqui vos ofereço,
Depois; calmo, abalaria esvaecido em fumo…

Jorge Santos (21/12/2012)

Dizia eu, no outro dia...


Dizia eu, no outro dia,
Que meus rostos todos, não sou eu,
Mas antes o momento relembrado,
D’uma esperança que no corpo guardo.

Digo hoje em dia eu,
A propósito de lembrança
Que não há dia nenhum, que não Peça
De volta a esperança de quem a perdeu,

Nalgum recanto de si.
Dizia eu, outro dia,
Quando não era assim
Tão invernoso o dia,

O tempo e a alma tão fria,
Que estranhos eram, pra mim, os outros
Mas não eu.(pois não me via...)
A propósito de gestos,

Dizia-me eu, n’outro dia,
Invisível ao resto
Do mundo,
Bastava um gesto

E pronto…
Quando acordava
Eu era um outro
Ou simplesmente eu…

Dizia eu…um dia,
Sair vencedor de tudo,
Mas o vencido fui eu,
Que não lembro no futuro

O que disse outro dia...


Jorge Santos (12 /2012)

A maneira de me sentir vivo...


Á minha maneira, estar sozinho
É escutar a noite vasta
Como pardal sem nicho,
Aguardando a tua volta.

Á minha maneira, tud’o que existe
Dentro do teu olhar me faz falta
E me deixa doente
De claridade tanta.

Á minha maneira, levo-te céus
Á espera que os preenchas,
Com os dedos teus
E cheiro de rosas nossas

Á minha maneira, a medida exata
Do tempo são nossos corações a bater,
De Igual, até à fatal data,
Em que o primeiro de nós, morrer…


A minha maneira,
Parecendo afastada,
É sincera
E ardente, Parecendo apagada…

Mas, a minha maneira
De t’amar tem de ser revogada,
Se depois de deitar tudo por terra,
Tento salvar tu’alma afogada.

Se é a maneira de me sentir vivo,
Que tu ocupas plenamente…
Eu, sem ti, sou uma linha desenfiada...

Jorge Santos (11/2012)

Ou o mau barbeiro casado com a tesoura...




Criei um beco e multipliquei por três o incómodo
Vivo das expressões mais básicas do pensamento
E a renúncia não é mais que um omnipresente fardo.
Desloco-me constantemente ao quadrado, consinto

O exílio dentro destas quatro paredes. A súplica
Não é mais temível que a incerteza de um caco
Em voltar a ser vasilha ou calçada pública;
Consequentemente não reajo e aqui me fico,

Inconsciente ao facto de haver real vida lá fora.
Tenho um hábito que se pode considerar prazer,
Fingir não haver hoje, nem aqui nem agora,
Cansei-me de tudo, até de não entender

O gesto automático e uso a função de negar a tesoura
Como uma figura de estilo do que não quero ser,
Um lugar fracassado no deve e haver,
Ou o mau barbeiro casado com a censura. 

Jorge Santos (2012/11)

O infinito pode nem ser leal...



Amo o poente e o anoitecer, por não ver utilidade
Na noite velada pois em todas morro um pouco.
Amo o mito por ter rejeitado a verdade 
Como a água rejeitou o arrabalde árido e seco.

A luz ambígua do inverno vem sempre aliciar-me
Quando assoma, parece falsa, fictícia…sem importância.  
Mesmo fechando os olhos como que me consome e delicia
Como aconteceu ontem no areal da praia enorme,

(inda nem lhe dei nome , nem sei porque lá me demoro eu.)
Quando escuto com atenção o luar, soa-me uma melodia
Que me enche de inspiração e logo se preenche o céu
De lucidez, mas a minha estranha alma permanece vazia

(Parece um sol-pôr empunhado p’lo facho do tempo)
E crê enfim em quase tudo, até nos poentes gastos em que m’evado
E neste feudo d’alva espuma em rio estreito, encarnando
Num rosto vulgar a consciência dum tolo,

Sugiro vária vias a planos que depois não têm saída,
Para mim o sentido da vida é não ter de todo, complô comum
Entre o que aceito no fim da tarde e a palestra adiada:
-O infinito pode nem ser leal (um pouco como cada um)


Jorge Santos (Outubro 2012)
http://joel-matos.blogspot.com

O estado e a matéria...


Apaguei o tom de magia e talvez dom do bom senso
Quando vi todos os doutos, acotovelados na dorna d’uma má atriz..
Açoitado p’lo juíz, fiz figura do criado coxo de laço no pescoço,
Quando tentei subir ao palanque, surgiu a tal mesma variz

Do tempo ao qual fui colado, esguia e inchada… ao cair quase me ouço
Girar no fundo do poço, tão fundo ele soa e o som se escoa
Como se fosse areia fina numa cuba de zinco,
Fria como cota de aço, e sem os louros da grei por coroa.

Sinto-me tão realizado com uma embriaguez tal como do fracasso
Do qual não recobro. Estou acorrentado a um tal estado, bem enterrado na terra.
E retomo da morte, repleto de enxertias sonhadas nesta vida bera.
Entre o que sonhei e onde estou, perdeu-se a noção íntima de tempo e espaço,

Bem podia o jardim do éden ser no quintal da frente
Que aos meus olhos seria tão longe como o fim do vasto horizonte
Essa é uma das razões porque não espreito pelos buracos no muro,
O medo de me lembrarem águas passadas escombros do futuro…

Jorge Santos  (08/2012)
http://joel-matos.blogspot.com

Nas orações dos Homens de Jerusalém...




Uma noite fabricou Salomão um palácio
Resplandecente e em segredo.
Fez-se por todo o império
Silêncio e desde logo cedo

Ninguém teve alívio;
Até nos séculos vindouros,
Não mais nasceria ali, um veio
De água ou desaguaria nos rios,

Nada mais senão sangue e guerra.
Uma noite fabricou Salomão um palácio
E a dor nunca mais foi doutra era,
Menos estrangeiro ficou o receio,

De ser feliz naquela amarga terra.
Uma noite fabricou Salomão um palácio,
E tal foi o peso da bera amargura,  
Que ainda hoje têm um vazio,

As orações dos Homens em Jerusalém…

Jorge Santos (05/2012)

Quanto daria eu...




Quanto daria eu para me não separar
Do que afirmam ser desabitado ou de fraco esboço,
Quando durmo, tento não me esquecer disso,
Depois acordo, bem de manso e avanço

Não vá o dia novo findar, e por coima
Sucumbir mais como um tronco submisso (sem defesa) …
Quanto daria eu pra amotinar a ângula pedra  
E usa-la em seu egoístico propósito.

Quanto daria eu para ter um qualquer mérito 
De rei de paus, de bandeira um natural – Império,
Na algibeira, por capricho um pinheiro e o real tributo,
E não ter dessa estranha felicidade, um freio…

Quanto daria eu para não mesurarem o que faço ou penso
E não ter tatuado um rectângulo quadrado como outros afirmam ser
Habitual a pessoas normalizadas de cidade,
Não ouvir do que fala o zéfiro preso à calçada …

Assim, por vezes uso com esforço e da prudência
Duma linda e macia ameixeira de jardim, 
Cor de fogo, como braseira
Bastante para enfrentar uma noite fria,

Mesmo assim quanto daria eu, para que ela ouvisse,
O som dos seus outros pares nos montes,
E o voz dos pensamento das diversas flores,
Reprimidos vezes sem conta por cada raiz que cesse…


Jorge Santos (04/2012)

Bem’sei que a magia do fim dos oceanos mora no fundo dos meus olhos…




Sei bem que todas as águas vão parar ao fundo do oceano,
Porque não bailarei eu sobre a espuma dos mares da China,
Como uma nave de rolha, perdida ao sabor do vento morno,
Mas prenha, nas velas de pano, do sal dos mares de cima….

O meu corpo é um pego fundo, onde estrangeiras paixões nascem,
Quanto mais intensamente as sinto e mais de dentro
Do espírito vêm, mais vertiginosa se torna a viagem,
Mais intensos…os momentos, mais cheio…o mundo, mais claro…

Deixei-me zarpar incógnito num coração sem timoneiro,
Incólume e fresco com aragem na face, nu como nasceu,
Sem satisfação falsa, sou filho prodígio dum feiticeiro
Banhado por um rio, da mesma cor dum qualquer ardido céu,

Venho velejando, na volta do mundo, um esquálido navio,
E trago profunda, a minha alma cheia a espuma branda,
É tod’um mar de sal e vida que corre lá dentro, rio
Passageiro que sacrificaria em alguma simbólica enseada,

Será ele eternamente pó verde nas estrelas e no pensamento,
E uma vertigem azul dourada sobre leito de calhau e barro,
Mas se todo o resto será vestígio, permanecerá o olhar gravado no porto,
Ancoradouro em qu’inda moro e me demoro,

Bem’sei que a magia do fundo dos oceanos, mora no fim dos meus olhos…

Jorge Santos (03/2012)

Ao menos que sobre o antes.


Ao menos que sobre o antes,
Se a própria Terra ainda chora,
A má memória das suas gentes,
ao menos q’a minha fé nelas, não morra

Ao menos que só sobrasse o antes,
Porque manhã-cedo haverá guerra,
E acabemos por colher as únicas flores,
No morro ond’ausência de Deus já mora.

Ao menos que sobrasse do ontem…
A liquidez do dia, a noite anuncia mau tempo, vento,
Má sorte ao pobre que nem lar tem,
E um pote d’ouro, á porta do nobre convento.

Ao menos que sobrasse do ontem
Pão, quando não havia fome de trigo,
Agora as florestas entristecem,
Por não morrerem de pé e inclinarem cedo, ao machado.

Ao menos que sobrasse do inda’ontem,
O não haver medos.
Pois dos tempos qu’aí vêm,
Ecoam já os gemidos,

d’outros bem mais antigos.

Jorge Santos (02/2012)

Nem sei que vento torto eu ainda persigo...




A ideia de viajar seduz-me
Como um pecado,
Tenho os cheiros e sons a lembrarem-me
Em outro lado,

Como uma aragem fresca,
Que me invade quando penso
E é então que um torpor de Coca
Acalma este ardor intenso

E esta Sede de liberdade,
Mas continuo sedento
Por dentro, a intranquilidade
Confesso-a ao vento leste, lesto…

E no pensamento viajo…viajo
E no cansaço eu repouso,
Apesar d’o chão ser rijo 
E distante da sede a agua e o poço,

A mudança das horas e dos dias
É uma penitência e um castigo,
Como se fossem estrangeiras,
As horas. O tempo cego

Está sempre presente, ausente o meu coração
Marujo sem porto, nem abrigo …
E no pensamento viaja a minha solidão,
Sem saber do torto vento que eu ainda persigo.

Jorge Santos (01/2012)

Ave do caniçal


Sigo com atenção todas as minhas estranhas sensações,
Algumas, como tortura docemente aceite...
Outras, como um novo dia, sempre diferente.
Todas as versões eu vejo de longe, mariposas gigantes

Como gestos quedando-se nas janelas
Sem continuação pra’lém delas.
Estou sem forças pra desertar pra’lém d’mim,
Pra dizer a verdade, só a opinião dos outros me faz f’liz

Por isso imito outras profissões do universo
Das quais não abdico se a elas tudo me prende como visco,
Como uma ave que se balouça, mansa no caniço,
Sem ter pr’onde migrar, por ser já demasiado tarde…

Jorge Santos (01/2012)



No bater d'asas d'uma simples borboleta


Quando me envolvo na fractal distância,
Comovo-me como uma borboleta,

Que duvida de si própria;
Sinto-me envolvido
D’uma forma total, embora sem peso
E me lembro d’outra realidade

Que antes não era tão real.
Imagino-me alternando entre neve e incógnita
E o acaso depois governa no cair
O meu ser solvente.

Termino numa terra distante, em tarde branda,
Tento ignorar a presença aleatória
Da consciência;
Perdida que foi a Memoria da névoa.

Farei um poema quando nada restar de seu,
Num universo convicto,
Sem a emoção nem o claro segredo,
Mas cuja realidade revestida, lembrará um luminoso céu.

Quando me libertar, envolver-me-á numa nitidez,
Sem corpo nem espírito
E sossegará o movimento do universo
Com o bater d’asas d’uma simples borboleta…

Jorge Santos (12/2011)

Tenho saudades do que me lembro



Tenho saudades de quase tudo,
Sobretudo do que não esqueci,
Tenho saudades de querer morrer por ti,
E por ti morreria mesmo, de amor,

Tenho saudades do que não li,
Por falta de tempo e não só,
Mas tenho saudades de tudo,
O que ainda me lembro,

Tenho saudades de escutar o vento,
Em tardes de ventania,
Tenho saudades de estar perdido,
E nem saber rezar uma “ave-maria”

Tenho saudades de me encantar,
Em tudo o quanto sonhava,
E do tempo que perdi sem apreciar,
Os serões em que o tempo não contava,

Tenho saudades de jogar ao pião,
Do alarido da rapaziada, da porrada,
Tenho saudades do “tudo ou nada”,
Quando soube ser na esquerda o coração.

Tenho saudades das noites sem dormir
Em que acariciava, na imaginação,
O cheiro que eu supunha ser teu, ou do jardim,  
(Repeti vezes sem conta aquela declaração)

Mudava de opinião com um estalar de dedos,
Fazia “trinta por uma linha”, desde rasgar o guião
E com raiva, escalar longínquos penedos,
(Nem sei se pela altura, ou por mera paixão…)

Tenho saudade de ser tabela sem cesto,
Mas campeão em consciência, desde o berço,
Mesmo no que escrevo, ainda insisto,
Nesta paixão louca que não esqueci

…e que jamais esqueço…

Jorge Santos (11/2011)

E depois não digam que era tudo mentira



Não me digam depois que foi tudo mentira…
Pra dizer a verdade cá estarei eu, um qualquer fulano
Investido em funâmbulo de feira
Tão real como a eira onde é espancado o feno

Tal como outros, trago um fardo num ombro
Com o peso da nação e n’outro o qu’ela m’isenta
De ilusão e no destruído escombro
Que do meu coração resta, a pouca fé cinzenta.

Não me digam depois que foi tudo mentira…
Porque aqui d’onde sou se desespera com a negação
Regurgitada do reino bera d’outra era.
Tal como outros, amputarei da alma a fé… na razão.

E depois não digam, que era tudo mentira…

Jorge Santos (11/2011)

tradutor

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